“O ministério do Espírito Santo no meio dos pobres…” (Carta 27/9/2006)

Este é o tema da nossa próxima Assembleia Geral do Prado onde reunirão os representantes dos 1 300 pradosianos espalhados em mais de 50 paises, no mundo, no mês de julho de 2007, em Limonest (Lyon – França).

Dom Esmeraldo, bispo da diocese de Paulo Afonso, pregou o retiro national do Prado no Brasil. Antes de ser bispo, era responsável do Prado do Brasil. Ele nos pediu para reservar um tempo e olhar o que nos preocupava, o que o Espírito Santo nos fazia ver, na Igreja para onde Cristo nos tinha enviado.

Para mim, é ocasião de fazer uma releitura depois de 10 meses que cheguei nas paróquias de Guaçuí e Dores, Estado do Espírito Santo, ao pé do Pico da Bandeira (2886 m alt.), 150 km do Atlântico, 460 km norte este de Rio de Janeiro, 200 km sul oueste de Vitória.

A última correspondência coletiva escrita ao 15 de março fique atual. Exprime realmente bem o que vivo no dia a dia aqui até hoje.

Escrevo novamente com a preocupação de estar atento ao fato de verificar realmente se estou acumulando encontros breves ou se fica algo mais profundo, marcante para tempos depois.

Fazendo esta releitura, queria buscar algum sinal de como o Espírito Santo me conduz nestes últimos meses com a consciência de me encontrar bem afastado de me deixar verdadeiramente conduzir. Escrevo com a ajuda da minha “caderno da vida” (diário).

Este texto deu-me a oportunidade duma longa partilha com Dom Esmeraldo. Concordou comigo e esclareceu-me todas as perguntas que tinha. Pediu-me para traduzi-lo para partilhá-lo com os padres do Prado do Brasil, estimulando outros a escrever suas próprias n e provocar outros em escrever as suas próprias narrações e questionamentos.

1. Vida fraterna entre padres

O primeiro ponto positivo que guardo em mim, é a alegria desta vida em equipe simples e fraterna entre padres: Pe Juarez, Pe Pedro, e Pe Olímpio quando nos encontramos.

Somos muito diferentes pelas nossas histórias próprias, nossos caráteres, mas há uma profunda comunhão entre nós e a sorte imensa para mim de entrar num outro país, numa outra Igreja, num diálogo muito freqüente com Juarez. Recebemos muito um do outro na colaboração do dia a dia.

Juarez, 37 anos, padre há 6 anos, é responsável pela paróquia de Guaçuí. Desde fevereiro, é também administrador da paróquia vizinha, a de Dores do Rio Preto. Partilho com ele a missão nestas duas paroquias bastante rurais.

Juarez é também membro do Conselho Presbiteral, responsável pelo regional, responsável diocesano das vocações e segue uma formação que o ocupá muito em dois anos, para acompanhar os seminaristas. Ficou a fora da paróquia 20 dias no mês de julho e de novo 6 dias no início de setembro. Foi também nomeado “juiz” do “tribunal eclesiástico” que acaba de ser criado na diocese. Começou seguir a Primeira Formação do Prado, espécie de noviciado que se passa por sessões trimestriais de 4 dias durante 2 anos e permite depois pedir o primeiro compromisso no Prado que, o lembro, não é congregação mas associação de padres diocesanos. Nos dias que vêm, vamos celebrar o 150° aniversário da “conversão do Padre Antônio Chevrier” na noite de Natal de 1856 em Lyon e o 20° aniversário da beatificação pelo Papa João-Paulo II quando foi em Lyon no mês de outubro de 1986.

Pe Pedro, 76 anos, foi aposentado em 1° de janeiro e Juarez disponibilizou-se em acolhê-lo num clima de fraternidade. Não sei se somos fraternos… no geral, está feliz conosco, e, como cada boa pessoa aposentada que os mais jovens sabem aproveitar, está muito ocupado e faz muitas visitas e celebrações, nos dando a possibilidade de assumir os nossos compromissos exteriores à paróquia, me permitindo viver este retiro do Prado.

A oração do ofício cada manhã às 7h30 e à tarde antes de sair para celebrar nas Comunidades de Base são sempre tempos fortes da nossa vida em conjunto, sem esquecer todas as partilhas muitas vezes pontuados com risadas.

Dom Célio, bispo da diocese está acabando a sua visita pastoral nas nossas duas paróquias. Um dos pontos que o tocou mais foi esta vida comunitária entre padres. Gostaria de contar com mais padres diocesanos que se disponibilizassem para um ministério vivido em equipe.

Pela agência Zenit, vimos que um recente encontro de bispos e padres de Portugal fez a mesma proposta de desenvolver equipes de padres diocesanos vivendo em equipe e partilhando a missão em várias paróquias. No Brasil, somos vários padres do Prado que conseguiram receber esta possibilidade dos nossos bispos, mas somos exceções.

2. Os encontros dos coordenadores das comunidades de base

Estes encontros mensais reunem todos os coordenadores das Comunidades de Base. Em Guaçuí, são 25 comunidades: 9 comunidades urbanas e 16 rurais. Uma comunidade está se criando este mês a partir da iniciativa da gente do lugar. Em Dores, são 14 comunidades, das quais uma única na a cidade. Segundo o que foi dito na prefeitura de Dores, há 36 000 habitantes na paróquia de Guaçuí e 7 000 em Dores do Rio Preto.

Nos encontros do C.P.P., também são convidados os coordenadores paroquiais das pastorais assim como dos coordenadores paroquiais dos movimentos. Se todos os coordenadores das Comunidades de Base participam, não é o caso dos outros.

Na correspondência precedente, relatava o nosso esforço para fazer destes encontros que não fosse só um lugar de transmissão de informações e ordens.

As pessoas gostam deste tipo de encontros que começam com meia hora de partilha do Evangelho de domingo, e seguem com estas duas perguntas que voltam sempre:

–     Quais luzes para a nossa responsabilidade de “coordenador de Comunidade de Base” (ou de serviço ou movimento)?

–     Se eu tiver de guardar só uma ou duas palavras que sejam « palavras de vida » para mim, quais sería?

Depois, fazemos uma reflexão profunda com um questionário, trabalhado primeiro em grupos e, depois, na plenária. Seguem partilha de informações e o almoço comunitário.

É sugerido utilizar tudo ou parte do questionário assim como a partilha do Evangelho ao nível de cada conselho de Comunidade de Base. É uma maneira de formar não só os que participam no C.P.P., mas todos os que participam dos conselhos das Comunidades de Base.

Quando dois encontros sucessivos do C.P.P. ocorrem sobre o mesmo tema, o segundo se realiza a partir do que foi refletido em cada Comunidade de Base o que dá a possibilidade de chegar à decisões elaboradas tanto no nível de cada Comunidade de Base quanto no nível do C.P.P. Se há decisões que comprometem o conjunto da paróquia, cada comunidade está chamada a decidir no seu nível próprio o seu jeito de por em prática a reflexão feita no nível do C.P.P. e do C.P.C. Estes encontros não são mais lugares de transmissão de informações ou decisões tomadas pelo padre, mas de busca e formação em comun.

Os temas refletidos foram os seguintes, resumindo os questionários propostos:

–     Em fevereiro e março: quem são as pessoas que têm uma deficiência ao nosso redor, que recebemos delas, como as ajudar encontrar plenamente o seu lugar? Este tema permetia iniciar juntos a Campanha da Fraternidade anual da quaresma preparada pela conferência episcopal.

–     Em abril e maio: quem são os jovens à nossa volta? O que eles vivem? Como ir ao encontro deles? Voltarei sobre este assunto mais adiante.

–     Em junho: Como vivemos os conflitos nas nossas comunidades, tentando ser discípulos e apóstolos de Jesus Cristo? De fato, há muitos conflitos e sentimos a necessidade de ajudar cada um a refletir sobre como se situar nestes conflitos.

–     Em julho: leitura da cartilha sobre as Comunidades de Base seguida da reflexão precedente para ajudar os coordenadores a melhor poderem se situar. Quase ninguém conhecia esta cartilha. Tomamos também tempo para apresentar um projeto para a visita pastoral de Dom Célio que foi enriquecida pelas pessoas.

–     Em agosto: quem são os pobres nas nossas comunidades, mas também as pessoas que acabam de chegar ou estão distanciadas? Como vamos ao encontro delas, lhes permitindo encontrar o seu lugar? Que recebemos neste acolhimento? Quais as alegrias e dificuldades?

–     Fim de agosto, o C.P.P. de setembro adiantado para se fazer na presença de Dom Célio durante a sua visita pastoral: avaliação sobre o nosso esforço para nos ajudar a “ir ver Jesus no Evangelho?”

  • Como vivemos este esforço pessoalmente?
  • Como vemos pessoas das nossas comunidades, movimentos, viver este esforço e o que dizem a partir dai?
  • Como trabalhamos para que cada grupo comece com um tempo de partilha do Evangelho?
  • Como se passa a partilha do Evangelho nos Círculos Bíblicos das nossas comunidades?

      Tanto em Dores como em Guaçuí, a reflexão do C.P.P. sobre o Evangelho na presença de Dom Célio foi uma confirmação forte do esforço proposto.

      Não é toda pessoa que lê o Evangelho antes de ir à missa, mas os responsáveis testemunharam a alegria dos que o faziam. Pediram também que continuemos a provocar pessoas a exprimir « palavras da vida » depois da proclamação do Evangelho antes da homilia. Disseram que começavam os C.P.C. com um real tempo de partilha do Evangelho. Pediram um tempo de formação com os animadores dos Círculos Bíblicos para incentivar estes grupos, que não se “fala sobre o Evangelho”, mas que se partilha verdadeiramente a « palavra da vida » acolhida.

      Dona Ines, minha amiga e professora de Português, responsável pela Legião de Maria de Guaçuí, testemunhou de como a nossa provocação lhes tinham levado a ler e trabalhar em todas as equipes a Carta de João-Paulo II sobre o Rosário na qual João-Paulo II convida a meditar o Evangelho e fazer um tempo de silêncio na recitação do terço. Agora, acrescentou ela, não há encontro de equipe sem um tempo de partilha do Evangelho.

      Se há uma coisa que me toca aqui, é o jeito das pessoas para se deixarem questionar e entrar no Evangelho.

      No mês de novembro, programamos um dia completo de retiro com o conjunto do C.P.P. Dezembro haverá uma assembléia paroquial com uma releitura do que percebemos da ação do Espírito Santo ao longo do ano todo.

Fico feliz com a alegria do Pe Juarez nesta maneira de animar os encontros do C.P.P. que dá a palavra às pessoas, se nutre do Evangelho, provoca num olhar com precisão sobre a vida das pessoas e não só sobre a vida deles na Igreja, que permite a elaboração em conjunto de decisões.

Várias vezes, Juarez não pode estar presente por causa das numerosas responsabilidades e formações que ele segue. A cada vez, nós preparamos juntos e animo o C.P.P. em seu nome. Estes encontros nos permitiram sair duma pastoral sem lugar de releitura e reflexão. Nos dão a possibilidade de formar apóstolos e de nos deixar conduzir, tanto quanto possível, pelo Espírito Santo.

Um remorso: não foi possível adiantar numa reflexão pastoral ao nível da equipe que formamos com as irmãs e os diáconos. No entanto, acontece mais vezes nós tomarmos um verdadeiro tempo de reflexão com Juarez, a começar por todas as vezes onde preparamos juntos os questionários dos C.P.P.

3. Continuação depois das visitas nas diversas comunidades evocadas na correspondência precedente

Nesta correspondência, vou sobretudo reler o caminho feito nas comunidades evocadas em março para tentar identificar o que as visitas nas comunidades me dão a perceber e servir na ação do Espírito Santo no tempo, sabendo que há 40 Comunidades de Base e que visitei muitas outras além daquelas que evoquei na carta de março.

Esta prática de visitas sistemáticas de casa em casa não nos pertence. Desenvolve-se no Brasil. Recentemente, os seminaristas da filosofia acompanhados por alguns leigos que pertencem às equipes missionárias fizeram uma missão numa semana na paróquia de Dores.

Todo o retiro de Dom Esmeraldo é proclamação de que a Igreja não pode ser senão missionária. Orientou toda a pastoral da diocese na dinâmica destas experiências.

3.1 Comunidade Santa Isabel: como evangelizar num contexto de desenvolvimento das seitas

Na carta de março, falava largamente desta comunidade tão dividida pela Assembléia de Deus. Depois do primeiro contato que nos fez perceber a pobreza desta comunidade, decidimos dar prioridada à atenção à esta comunidade. Juarez pediu-me para a acompanhar mais particularmente. Ele acompanha mais outras comunidades também desfavorecidas ou em crise.

Visitei todas as famílias (umas trinta) em várias jornadas de visitas, quando tiver a possibilidade. A cada vez, fui acompanhado por Sandra, 30 anos, mãe dum casal, coordenadora da comunidade. Como ela não sabia nem ler nem escrever, quando foi eleita coordenadora, inscreveu-se na escola de noturna. Nos encontros do C.P.P., se faz acompanhar por uma menina de 15 anos que se torna a sua “secretária”. Marcelo, esposo da Sandra, passou à Assembléia de Deus depois duma briga com alguém da comunidade católica. Agora, Sandra e Marcelo não podem mais ler o Evangelho e rezar juntos.

Sandra quis me levar à extremidade da comunidade Santa Isabel, num sítio perdido e afastado na divisa entre o estado do Espírito Santo, do Rio de Janeiro (no sul) e do Minas Gerais (no oeste). Aí, as pessoas vivem numa pobreza muito forte. São casas isoladas umas das outras. O Círculo Bíblico não se reune mais desde vários meses porque as pessoas têm medo e não saem mais de noite. Recentemente, houve vários assasinatos não esclarecidos (3 ou 4?). Caminhando, Sandra me mostra uma cruz na beira da estrada: aqui foi encontrada a última pessoa assassinada. No que eu pude perceber, a causa destes “homicídios” parece se encontrar em problemas de prostituição, de droga e de alcool. A partir destes fatos reais, desenvolveu-se uma psicose que tentamos de parar.

No meio deste sofrimento, há também uma verdadeira solidariedade nas dificuldades: 2 motos bateram no mês de julho, provocando 3 feridos graves. Eles ajudaram materialmente uma das duas famílias que se encontrava sem recurso.

Do outro lado do Rio Preto que faz a divisa entre os estados, há um grupo de casas e uma capela, mas o pároco da paróquia vizinha não vem mais, as pessoas não mais se reunem. A Comunidade de Base se chamava “comunidade do Espírito Santo”.

Não há só a Igreja que abandonou as pessoas que vivem aqui, como também o estado muito ruim da ponte que liga os dois estados o mostra. Apesar do seu medo, fechando os olhos e rezando, Sandra me provocou a passar a ponte.

Sandra tem tentado reunir de novo o Círculo Bíblico e conseguiu provocar pessoas a vir participar à missa da comunidade Santa Isabel, à uma hora a pé. Muitas crianças não são catequizadas e é sobre este questão que Sandra trabalha no momento.

No dia 20 de maio, fazendo estas visitas sistemáticas de casa em casa com Sandra, fomos abençoar a casa de Iuma e Salim. Iuma foi coordenadora da comunidade e passou para a Assembléia de Deus no ano 2 000, enquanto o seu marido ficava na Igreja católica. Neste momento, a Assembléia de Deus tentou recuperar também a capela.

Iuma nos recebeu muito bem. Como um clima de confiança estabeleceu-se, perguntei se acontecer ela duvidar da sua Igreja escolhida? Confirmou. Murmurei algumas palavras sobre a dificuldade onde se encontrava: voltar e arriscar enfrentar as pressões da Assembléia de Deus, recear também o acolhimento da comunidade católica Santa Isabel. Lhe prometi a nossa oração. Nos abraçou fortemente e me pediu passar de novo.

No sábado 15 de julho, depois de várias visitas, chego a Igreja para celebrar. A capela se encontra no meio dos campos. Os membros da Assembléia de Deus ficam a cem metros, na estrada de chão, olhando os da Igreja católica entrar: são vizinhos, familiares, deles… No grupo, há o ex responsável pelo grupo dos jovens, também ex tesoureiro que passou à Assembléia de Deus 3 meses antes para poder casar-se. Os dois grupos olham um para o outro a cem metros, sem se falar, nem se cumprimentar.

Depois dum momento de hesitação, me decidi em fazer os 100 metros para ir cumprimentar estas pessoas depois de me ter verificado à distância quem eram no grupo. Não sabia o que dizer, como seria recebido, mas estava convencido que este “face a face” à distância era bem oposto ao Evangelho que pregamos uns e os outros. Neste tipo de situação, me lembro sempre desta palavra de Jesus:

“Não se preocupe com o que terá de dizer: o Espírito Santo lhe ensinará na hora mesma o que dizer.” (Lc 12,11-12)

Vou direto cumprimentar o ex tesoureiro que me foi indicado e início o diálogo: “Boa tarde, você é José? Passei para visitar os seus pais no outro dia. Como são acolhedores! Sou padre católico e é importante para mim vir lhes cumprimentar.”

Maria-José, irmã de Iuma, ataca logo ao nível “teológico”: “Por que vocês não respeitam a Bíblia e fazem idolatria com as imagens dos santos?” Respondo que é importante para mim vir cumprimentar, que o Evangelho chama a se amar uns aos outros, que era dificil para mim ver gente que se conhece olhar-se uns aos outros sem se falar. Pouco a pouco, a converse se torna fraterna e Maria-José me convida para almoçar um dia na casa dela. Pensava, que era palavra que não teria concretização.

Uns dias depois, Maria-José vem me encontrar na saída da missa em Dores para me convidar à festa da Assembléia de Deus e ir almoçar na sua casa.

Ir, não ir? Mesmo que seja livre, não desejava me mostrar publicamente nesta festa e arriscar em provocar confusão na comunidade católica ou deixar pensar que a Assembléia de Deus não era mais para nós um grupo que desumaniza e separa do Deus de amor.

Ir almoçar? E como isso ia se passar? O que seja, não queria ir sozinho mas ir com Sandra para ela ser associada neste encontro e, através dela, a comunidade. Guardava no coração duas luzes encontradas num estudo do Evangelho sobre « fazer com o Espírito de Deus » a partir do encontro entre São Pedro e Cornélio (At 10 e 11). Para fazer com o Espírito de Deus, é preciso

–     acreditar que Deus age hoje (a partir da palavra de Pedro: “Quanto a mim, Deus acaba de me fazer compreender…” (At 10,28)

–     Acolher o outro como “enviado por Deus” e não ter medo de se deixar conduzir nos seus caminhos, de caminhar com ele (At 10,20; 11,12)

No dia 8 de setembro, me encontro na casa da Maria-José, acompanhado por Sandra, a atual coordenadora. Três mulheres são presentes neste almoço:

–     Iuma, a precedente coordenadora; foi a sua casa que fui abençoar;

–     Maria-José, a sua irmã, que começou me atacando antes de me convidar

–     uma terceira mulher que não consegui identificar e que ficou agressiva ao longo da partilha.

A mãe de Iuma e Maria-José tinha oferecido uma parte do seu terreno para a construção da igreja. Agora, a Igreja se encontra num encruzilhada separada com arames farpados sobre a propriedade destas mulheres que passaram à Assembléia de Deus.

É Maria-José que tem a iniciativa da partilha. Ela diz o quanto o fato de eu ter ido os cumprimentar lhe “tocou o coração”. No início do almoço, evitei cuidadosamente toda discussão teológica e as provoquei a falar da sua família, da mãe que agora era falecida.

Pergunto o que lhes provocou a passar para a Assembléia de Deus. Elas começam dando razões teológicas, mas insisto, pedindo o que se passou realmente, quais divisões houve. Elas contam um conflito com um dos párocos precedentes um pouco problemático, o mesmo que mudou de diocese e se encontra na paróquia vizinha e não vem mais celebrar na comunidade do “Espírito Santo” do outro lado da ponte. Na discussão, acabou dizendo: “Têm de passar para os evangélicos!” Palavra eficaz…

Durante a conversa, Maria-José explica que começou por frequentar a Renovação Carismática Católica, e que, aí, “lhe fizeram conhecer coisas que a Igreja católica lhe escondia”, “que, emfim, pude receber o batismo no Espírito”, os dons dos quais São Paulo fala na carta aos Coríntios, “estes dons que a Igreja não dá”. A seguir, passou para os evangélicos.

Não resumirei o R.C.C. às perguntas que seguem, nem a esta expressão desajeitada de Maria-José, e não ignoro a diversidade da família carismática, nem os seus frutos, mas todas as perguntas que tinha antes de chegar a Brasil foram reforçadas com o que vejo aqui.

É impressionante ver como pessoas já bem fracas psicologicamente, em particular pessoas em depressão, se encontram ainda mais enfraquecidas pela participação à Renovação Carismática. Esta chamada à oração fusional, a um ambiente provocado onde algumas pessoas orientam todas as outras, onde a imposição das mãos com mensagens dadas no mesmo tempo, as “curas”, as “quedas no Espírito”, a leitura imediata dos sinais do Espírito e da ação de Cristo, a multiplicação dos testemunhos de “cura”, de “milagres”, não ajudam em crescer como homens e mulheres que não vivem num mundo mágico, mas num mundo humano no qual Cristo se encarnou e nos chama a discernir e agir.

Não esqueci esta estudante em tecnica de enfermagem atravessando várias provações e à qual o grupo de oração tinha imposto as mãos lhe dizendo: “Tu serás religiosa”. Aqui, já tive vários “ecos” do mesmo tipo, com esta mensagem ou outras, também derespeitosas da liberdade da pessoa e da possibilidade dela de discernir. Não falo de todas as pessoas tendo uma doença física ou uma depressão que vieram me encontrar dizendo: “Na R.C.C., me foi dito que, na minha situação, era preciso ir me confessar.” Isso deixava pensar que a sua doença foi apresentada a esta pessoa como sendo a consequência do seu pecado.

Porque passo horas em escutar pessoas nos atendimentos ou na ocasião das visitas, como padre e médico de formação, estou assustado com o que as pessoas contam, como estas práticas os desestruturam ainda mais.

Mais um testemunho é irracional, “misterioso”, mais é sinal de fé, de ação de Deus. Aqui, várias pessoas da renovação passam sem problemas de expressões de fé à várias crenças ocultas às vezes bem próximas do “espiritismo” bem presentes no Brasil. É verdade que não é a característica própria dos carismáticos e que a cultura brasileira também tem esta caraterística. Mas a renovação a fortalece.

Se houve todo um trabalho da Igreja no Brasil para ajudar as pessoas a se tornar agentes, a discernir e agir, a renovação destruiu este esforço. Tudo o que pode acontecer vem diretamente de Deus. O que conta, é se reunir num clima de emoção. Maria-José fala duma criança da comunidade caída na véspera num poço e tirada num estado de morte antes de ser salva: “É Deus que a salvou. Se fosse um adulto, com todos os pecados que tería, nunca tinha sido salvo.”

Espero poder ler a intervenção de Bento XVI na Alemanha sobre “fé e razão”, mas há realmente uma urgência aí: ajudar numa experiência espiritual que não deixasse de lado a razão e um discernimento humano, um equilibro.

No momento em que escrevia estas linhas, a polêmica não tinha ainda surgido em relação à citação inicial da conferência na qual Bento XVI não se deu conta de que esta citação ia ser cortada do conjunto da sua intervenção e ferir tão profundamente. Depois da leitura do texto de Bento XVI, acho de novo esta questão central: como articular de jeito justo fé e razão, não fechar o caminho da fé com um raciocínio “ciêntista”, não desnaturar a fé cristã deixando de lado a razão?

Escrevendo isso, não esqueço a contribuição da Renovação em provocar a rezar e o limite duma pastoral que pode ser às vezes centralizada demais numa reflexão e compromisso. Mas por que passar dum extremo para o outro?

E além disso, esta última expressão não é justa. Os que acompanham movimentos de ação católica tais como a J.O.C. (Juventude Operária Católica), a A.C.O. (Ação Católica Operária), podem testemunhar todo o trabalho espiritual que se realiza aí. Tive a oportunidade, há 10 anos, que a J.O.C. me pedisse para escrever um artigo sobre o Pe Guérin. Tive também a alegria de ser acompanhado pelo Pe Beschet, jesuita, autor de “Missão em Thuringe”, resgatado dentre jovens que tentaram viver a fé no Serviço de Trabalho Obrigatório e, depois, nos campos de concentração Nazis. Aí, fiquei tocado por esta espiritualidade enraizada profundamente num duplo olhar sobre a Palavra de Deus e sobre a vida, indo no mesmo movimento até a ação concreta para transformar a realidade dos companheiros, e também testemunhar e celebrar.

A expressão “conversão” que o Padre Chevrier e o Prado utilizam muito em relação a ele, que a Renovação repete sem cessar, diz alguma coisa de muito profundo, mas traz também problema. Quantas vezes ouvi: “Foi entrando na Renovação que me converti para Cristo; antes, não era verdadeiramente cristão”, indo às vezes até conversando fazer entender claramente o auditor que, se não entrasse na Renovação, ficaria fora da fé plenamente vivida. Dom Esmeraldo, comentando esta passagem dizia: “A gente se converte a Cristo ou a tal movimento ou Igreja?” Em Janaúba, o grupo local censurava ao Dom José Mauro de “não ter recebido o Espírito Santo”.

Sei, pois, que é preciso situar estas expressões. Sei bem que, no Prado, quando nós falamos de seguir Jesus Cristo de mais perto, outros ouvem: “de mais perto do que os que não são do Prado”, enquanto agimos e apoiarmos uns aos outros porque nos sentimos fracos para nos aproximarmos mais de Cristo para os homens conhecê-lo. Portanto, nunca ouvi este tipo de expressão na França, nos movimentos tais como as equipes Nossa Senhora, a Ação Católica Operária, as equipes “São Francisco Xavier”, ou, aqui, na Legião de Maria, e em muitos outros movimentos de Igreja.

Num povo já muito caracterizado pelo irracional, a R.C.C. que vejo atuar aqui fecha numa visão ainda mais mágica e fatalista do mundo. Com uma aparência de grande novidade e modernidade na expressão da fé, nos encontramos numa teologia tradicionalista e num funcionamento profundamente clerical. Às vezes, leigos são ainda mais clericais do que padres.

Descubro agora, que, para alguns, a passagem pela Renovação é etapa antes de se tornar evangélico. Haveria pessoas pelas quais a Renovação fosse porta para passar dum grupo evangélico para a Igreja católica?

Acontece que há afluência nestes grupos, portanto, por que questionar? Quem não ouviu estas afirmações que, porque há mundo, é sinal que é obra de Deus, sem poder mais questionar? Quantos bispos ou padres, pararam para apoiar tal grupo tendo fortes intuições porque não havia muitas pessoas?

Mais uma vez, não resumo a Renovação a estas perguntas. Sei que tenho sem cessar que trabalhar para acolher o que o Espírito Santo faz aí. Sendo estudante, foi importante para mim participar de tal ou tal encontro de oração para acolher o que viviam dois amigos que viviam em comunidade comigo e pertenciam à Renovação.

Aceitei participar da animação dum “Seminário Vida Plena” da Renovação de Dores. Ora, fiquei impressionado pelo documento de base que me foi fornecido, uma meditação pronta sobre o pecado e a salvação, dum tradicionalismo e dum moralismo impressionante. Felizmente, me foi dito que podia elaborar a minha própria palavra. Então, propus um estudo do Evangelho em São Lucas sobre tudo o que é dito de Jesus indo ao encontro dos pecadores… Me conduziu a dizer coisas bem diferentes do que me foi proposto.

Tenho a alegria de colaborar com membros da Renovação bem comprometidos na paróquia mas me sinto também com necessidade de colocar limites, como quando o grupo de Dores conseguiu fazer cancelar duas celebrações habituais de duas Comunidades de Base vizinhas para as substituir com o seu próprio grupo de oração imposto a todos.

O que vejo aqui numa grande escala me provoca a escrever com o risco de não ser compreendido por tal ou tal de vocês ou de parecer sectário.

Mas volto para este assunto que me marca nesta partilha com Maria-José e Iuma: o que provoca os católicos passar com tanta facilidade para os grupos sectários e fundamentalistas?

Numa outra comunidade, aquela que me guia nas visitas, me fez encontrar os membros da sua família que passaram para a Igreja Batista e com quem o diálogo foi muito bom. Quando perguntava o que tinha provocado a mudança de Igreja, uma mudança muito recente a cada vez, desde menos de 6 anos, as respostas foram as seguintes: divisões entre as pessoas, palavra de tal ministro da palavra que não gostaram, doença durante a qual foram visitados por pessoas da Batista.

Uma pesquisa recente mostra que, no Brasil, 1% dos católicos passam cada ano para os evangélicos. Um artigo recente do Jornal francês “La Croix” (A Cruz), assinala que metade dos crentes na França pertencem agora as Igrejas evangélicas. Os que acompanham as “pessoas da viagem” evocam as mesmas dificuldades. Os migrantes dos nossos suburbios na França se encontram no mesmo desafio.

Uma confiança nasce durante a partilha com Maria-José, Iuma e esta outra mulher na presença de Sandra. Aceito entrar no “debate teológico”. Aí, fiquei impressionado com o fundamentalismo e a pobreza. É o tipo de partilha que se pode haver com os testemunhas de Jehovah. “Vocês não respeitam a Palavra. Vocês têm ídolos.” “Vocês não respeitam o que São Paulo diz em relação aos cabelos” (a partir de 1 Coríntios 16), etc. Há também muitas citações sobre o inferno, o julgamento final.

A confiança faz com que, neste dia, haja uma parte de escuta, de reflexão onde duas das três mulheres parecem buscar realmente. A cada vez, respondo situando os versículos num contexto maior e as alerto contra uma leitura fundamentalista, o que lhes provoca a dizer várias vezes: “Mas você não acredita na Palavra?” As provoco então a comparar as duas narrações da Criação em Gênesis 1 e 2 com esta pergunta: qual fala a verdade, porque as duas não dão a mesma cronológia da criação dos elementos da natureza?

Convido as a ler tudo com esta chave que dá Jesus quando alguém lhe pergunta sobre o maior mandamento: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento… e o teu próximo como a ti mesmo.” (Mt 22,37-38) Isso nos evita encontrar alguém que vai ao enterro do seu pai e lhe dizer: “deixa os mortos sepultar os mortos…” (Mt 8,22)

Elas escutam, questionam. Quando manifestaram que acolhiam uma das minhas palavras, no instante seguinte, falam dum jeito agressivo, e fazem afirmação tal ou tal “verdade” para não ficar numa postura de “fraqueza”. O que não ouviu sobre o julgamento último, sobre o pecado! Faço atenção a adiantar devegarinho, de não aproveitar da formação que tenho, de não as humilhar, de não me calar também.

Aproveitando da ingenuidade daquele que está chegando, exprimo a minha surpresa em ver as pessoas duma mesma família, dum mesmo lugar, não poder mais rezar juntos, nem se falar. Pergunto:

–     Como acreditar que haja um só Deus, o mesmo para todos, quando há tantas Igrejas “cristãs” no mesmo lugar?

–     O que achou a sua mãe que ofereceu este terreno para construir esta igreja?

–     Como acreditar que uma Igreja fundada há uns cem anos foi fundada por Cristo?

–     Como vocês acolhem as alertas de São João e São Paulo para os discípulos ficarem unidos?

–     Como compreender que a missão não consiste em fazer as pessoas sairem da Igreja onde descobriram a fé e que foi fundada há uns 2 000 anos por Cristo?

Na partilha, valorizei o questionamento levado por Luther e lamentei me que este questionamento não fosse vivido sem separação. Reconheci os limites da Igreja católica, meditando sobre a escolha de Jesus de confiar em homens pescadores, tais como Pedro, Paulo, para revelar o amor do Pai.

Tento fazê-las refletir. Iuma, aquela mesma que confessava estar com perguntas quando passei na sua casa, parece muito receptiva. No momento de nos separar, proponho rezarmos juntos o Pai Nosso. Fiquei surpreendido em ver que não aceitaram fazer o sinal da cruz, sem eu compreender a razão. Portanto, nos demos as mãos enquanto rezamos o Pai Nosso juntos.

Toda esta partilha ocorre na presença de Sandra que escuta e, as vezes, toma a palavra. É uma maneira, a meu ver, de a associar a este trabalho de reconciliação. É também uma maneira de a ajudar a ver os limites da “Assembléia de Deus”. Estou com as seguintes perguntas:

–     Como ajudar estas pessoas que passaram à Assembléia de Deus a caminhar e eventualmente regressar à Igreja católica? Quando e como fazer contato de novo com Iuma, a acompanhar, suscitando a sua liberdade, nos deixando realmente guiar com o que o Espírito Santo faz no coração do outro, sem nunca pretender “saber” o que o Espírito Santo faz, sem cair no proselitismo contra o qual Bento XVI alertou ainda recentemente?

–     Como achar uma palavra justa para ajudar os católicos a “amar” os que são evangélicos, a dialogar, mas em não misturar tudo, dizer que “é o mesmo Deus”, que tudo é igual?

–     Qual é o ecuménismo possível quando se encontra com grupos sectários e fundamentalistas e com pessoas com pouca formação?

–     Como, na preocupação de estar aberto, acolhedor ao outro que “tem a sua parte de verdade”, não assistir na indiferença quando pessoas são alienadas por movimentos religiosos e o modo de pensar que eles trazem?

–     Como esta preocupação do acolhimento ao outro, da parte da verdade que ele tem, não me faz passar fora dos choros de Jesus sobre Jerusalém, da comoção de Paulo em Atene, da inquietude de Antônio Chevrier diante de todos os que se “condenam”, porque é uma “condenação” ser amado por um Deus de amor e não o saber?

–     Enquanto acolhemos a ação do Espírito Santo bem além dos limites da Igreja visível e se deixando tocar por todos os que não são da nossa Igreja, como propor esta chamada para caminhar na Igreja fundada por Cristo sobre Pedro?

Sinto em mim mesmo as perguntas que Bento XVI faz sempre ressoar, sem compreender portanto várias decisões concretas que ele acaba de tomar em relação a tal ou tal movimento tradicionalista.

No momento de nos despedir, Maria-José nos convida com calor a voltar. Agora, há de novo convites entre católicos e evangélicos para festejar aniversários. As pessoas se falam mais. As precedentes visitas permitiram reconciliações no seio da comunidade católica.

3.3 Comunidade São Sebastião (Cerro): todo um trabalho associativo e écos das favelas do Rio de Janeiro

Nesta comunidade, Cátia, ministra da eucaristia, tinha aproveitado das nossas visitas para se reconciliar com Neusia que não mais lhe falava desde meses, depois de tensões ocorridas durante a última campanha eletoral. Depois de ter acolhido Catia, ter pedido o sacramento da Reconciliação, Neusia nos tinha pedido de para acompanhar em visitas a outras famílias com as quais ela não falava mais. No decurso destas visitas, os problemas do alcoolismo, do acompanhamento dos jovens, tinham surgido. Fiquei feliz com a partilha sobre a doença alcoólica numa família, do éco na partilha do Evangelho na missa sobre este problema, mas imaginava tudo ficar num nível de boa intenção sem tradução concreta.

Portanto, 3 meses depois, na ocasião do C.P.P., alguém anunciou que um encontro da comunidade São Sebastião (Cerro) ocorreu com a presença dos Alcoólicos Anónimos. Eles dizem da alegria em ter esta possibilidade duma partilha juntos sobre o álcool, de ter permitido a tal pessoa que saiu do álcool e à sua família de testemunhar, a tal ou tal outra pessoa ainda no álcool de se exprimir. Um segundo encontro ocorreu pouco tempo depois. Agora, dá impressão que tal ou tal tenta sair do álcool… cai de novo no dia seguinte. Mas há realmente alguma coisa que começou a germinar.

Alguém que não era desta comunidade anunciou este fato como sendo uma boa nova para ser transmitida ao C.P.P., uma boa nova que se repete de comunidade em comunidade. Encontrei aí este dinamismo dos Atos dos Apóstolos onde anunciar a Boa Nova consiste em dizer sem cessar a morte e ressurreição de Jesus, mas também como “o nome de Jesus cura hoje” (cf. Atos 3 e 4 e muitas outras referências).

Aproveitei da viagem de Verônica Lucas, ex permanente nacional do Movimento Rural da Juventude Cristã na França, para fazer uma visita um pouco diferente nesta comunidade São Sebastião (Cerro).

Verônica se interessa por tudo o que se busca no mundo rural. Está iniciando uma volta ao mundo que vai ocorrer durante um ano. Ela escreve artigos para várias revistas francesas. Começou passando 15 dias no Rio de Janeiro para apreender o Português num curso intensivo. Depois, passou um mês e meio percorrendo todo o Brasil e acabou a sua estadia brasileira passando 3 dias em Dores e Guaçuí. Num tempo muito breve, se tornou capaz de poder questionar e compreender as respostas sem precisar de tradução. Continuou a sua viagem passando pela Bolívia onde foi recebida, entre outras pessoas, por Tiago, padre da nossa “equipe Prado Internet”. Daqui vai para o Quebec e, depois, para os Estados Unidos, antes de continuar para a India, a África, etc. Vocês podem seguir Verônica sobre « Le périple agricole de Véronique Lucas » : www.sapie.coop/periple.agricole

É com muita alegria que acolhi o seu pedido, feliz em poder lhe dar a oportunidade de partilhar com pessoas daqui, feliz em ter ocasião para outro tipo de partilha com as pessoas a quais sou enviado, a ouvir exprimir-se sobre o que eles vivem inclusive sobre a vida profissional.

Escolhi apresentar à Verônica a comunidade São Sebastião porque, no dinamismo das Comunidades de Base tais que existiram nos anos 80, os membros desta comunidade criaram uma associação para entreajudar-se. O funcionamento da associação é separado do funcionamento da comunidade cristã. São as mesmas pessoas que se encontram na comunidade cristã e na associação. A vida da comunidade cristã é nutrida pela vida da associação, como a vida da associação é irrigada pela vida de fé na Igreja dos seus membros.

É Zé Faria, 40 anos, fundador da associação, que nos acolhe para o almoço com a sua esposa Andréa, ministra da eucaristia, filha do Zé do Xico, coordenador da comunidade cristã. Andréa e Zé Faria, nos acolhem na sua casa, uma casa em parte destruída por uma queda de lama num momento de forte chuva no mês de março passado. Felizmente, sairam do quarto alguns minutos antes da destrução pela lama. Zé Faria explica como o desmatamento acelerou a erosão. Cada ano, são várias quedas de lama, verdadeiras avalanchas locais, que as vezes destroem casas e matam. Zé fala dum esforço para proteger as casas, plantando árvores acima. Do mesmo modo, fala dum esforço para plantar árvores acima das colinas para reter a água e melhorar a irigação das culturas abaixo.

Depois do almoço, eles nos conduzem às salas próximas à igreja para encontrar umas vinte pessoas da comunidade que pararam o colheita do café toda a tarde para receber Verônica. Eles apresentam a associação que permite às 36 famílias de se entreajudarem em diversos aspectos:

–     A produção do café: eles trabalham atualmente para passar a uma cultura biológica e começam a escolher a “colheita seletiva”, quer dizer, apanhar os grãos um por um quando são maduros, voltando no mesmo pé de café várias vezes em alguns dias de diferença. Isso permite produzir um café de melhor qualidade que pode ser vendido mais caro; a associação dá também a possibilidade de se agrupar para vender o café num preço melhor limitando os intermediários. Verônica perguntou se este café assim produzido passava pelo circuito “comercio solidário” tal qual o conhecemos na França, mas ela não recebeu confirmação disso.

–     A produção de leite: eles compraram em comum um tanque refrigerado e empregam uma pessoa da comunidade que se formou no controle da qualidade biológica do leite. Eles sempre tiram o leite manualmente.

–     Se entreajudam para diversificar as culturas e assim não ficar vulneráveis demais às variações do preço corrente do café ou do leite. Vários estão iniciando a cultura de morangos biológicos. Outros iniciaram a cultura de flores, copo de leite, para exportação.

–     Se entreajudam também para desenvolver a cultura de legumes e frutos para o próprio consumo e também para vender na feira local; isso se inscreve num programa governamental de “hortaliça comunitária”. A Câmara acabou de criar uma feira semanal que dá a possibilidade a cada um de vir vender a sua produção.

–     A produção e a venda de objetos artesanais dá a possibilidade às mulheres da comunidade de aumentar o rendimento. Formaram-se no bordado e na produção de tapetes para banheiros e outros objetos. O problema atual é conseguirem se organizar para vender.

–     Uma atividade folclórica com a “Folia de Rei”

As pessoas da comunidade ficaram muito tocadas porque uma pessoa vinda da França se interessava por elas, a ponte de escrever um artigo sobre elas. Foi ocasião para elas dizerem como ficaram assustadas com o nosso jeito de ser padre junto com Juarez, visitar as pessoas, nos interessar na vida delas no dia a dia. Verônica diz que ficou maravilhada com tudo o que ela vê germinar no mundo rural brasileiro e que não imaginava.

No C.P.P. de agosto, Zé do Xico, o coordenador da comunidade São Sebastião, não pode vir. Viu-se na obrigação de partir para Rio de Janeiro porque recebera a notícia da morte por homicídio dum sobrinho que tinha crescido na comunidade e que foi morar numa favela do Rio. Às 16h, no momento de celebrar a missa, nos é dito que a família tinha recebido uma ligação telefónica anunciando a morte do sobrinho, mas que, quando foram reconhecer o corpo, não era o dele. Algumas horas depois, a família recebeu uma outra ligação: alguém anunciava o rapto do sobrinho e pedia um resgate de 3 000 Reais. A família não tinha o dinheiro.

No dia 9 de setembro, 15 dias depois, passo de novo na comunidade. Os traficantes de droga, que são instalados a vista de todos nas ruelas da favela, tinham proposto pagar o resgate, mas à quem? Não houve mais contato com os raptores eventuais e o corpo não foi encontrado apesar de investigações complicadas pelo fato da polícia não poder entrar na favela. A família não sabe se este homem, casado, pai de duas criancinhas, está vivo ou não. Zé do Xico evoca uma outra hipótese: o seu sobrinho talvez tenha participado dum golpe e teria sido matado pela polícia militar que tería eliminado o seu corpo, como outros. Mas ele acrescenta: até aqui nunca ouvimos dizer que era delinqüente. Duma forma muito concreta, tenho um eco da vida nas favelas, das relações violentíssimas entre a polícia militar, uma polícia que sofreu bastante no momento da revolta dirigida a partir dos presídios que paralisou São Paulo há uns meses.

Neste dia, começamos as visitas passando na casa de Renata e Joimar. O seu filho Daniel dever ser batizado durante a missa das 16h. Como tentamos partilhar o Evangelho do dia, Renata, 24 anos, se encontra em dificuldades porque não sabe ler. Anuncia que vai participar dum grupo de alfabetização popular que será animado por Romi, jovem da comunidade que se formou para isso e que tem 19 anos. No momento da missa, descubro que são 21 pessoas desta comunidade de 36 famílias que se inscreveram neste curso. Na partilha depois da proclamação do Evangelho, alguém faz a relação entre estas pessoas que vão apreender a ler e escrever e o Evangelho do dia: a cura do mudo e surdo.

Na visita pastoral de Dom Célio, nos foi dito que 20% da população está nesta situação. É provávelmente mais de 50% dos adultos em tal ou tal comunidade da roça que são iletrados. Antes da bênção final, chamo os que se inscreveram neste curso a se adiantarem e cantamos para eles um cântico ao Espírito Santo.

A cada uma das celebrações nesta comunidade, chamo atenção em relação ao álcool. Aquele que toca o violão, que tem 40 anos, na casa do qual tive uma longa partilha para o provocar a sair do álcool, não está presente. Ficou de novo bêbado uns dias antes. Tinha explicado que não ia a missa quando tinha bebido.

3.3 Comunidade São Luiz: “A ação do Espírito Santo no som dum silêncio”

É esta comunidade que celebrava num curral abandonado e onde surgiu também a questão da alfabetização. A pessoa que emprestava o curral acolheu o seu irmão alcoólico na casa vizinha e, sobre a influência do álcool, destruiu tudo no choral num acesso de violência. Agora, a comunidade se reúne ao ar livre, no terreno de Nelson e Lucia. Ambos compraram um terreno e o ofereceram à comunidade para construir uma igreja. Chamaram pessoas para um mutirão para aplainar o terreno… Só duas pessoas vieram.

Vêm 2 pessoas da fora para ajudar na animação dos cânticos. Resultado: os da comunidade que tinham começado a fazer alguma coisa para animar, não fazem mais nada e se apoiam nestas pessoas de boa vontade.

Alertamos muito Nelson para ele não construir a igreja sozinho, o que sería generoso, mas não faría nascer a comunidade.

Vamos fazer visitas a todas as famílias que, sendo sem terra, chegaram aqui há menos de 3 anos, num sistema de redistribuição da terra onde as pessoas recebem um terreno. Nos três primeiros anos, não pagam pela a terra. Limpam o terreno, constroem a casa. Depois, devem reembolsar progressivamente. As famílias não foram ajudadas a nível técnico. Muitas estão endividadas. No momento, não há entreajuda organizada na comunidade apesar da ação de Nelson e Luzia que tentaram provocar as pessoas a fundar uma associação.

Nelson e Luzia iniciaram várias culturas. Contaram a Verônica o início dificil porque faltavam lhes experiência e conhecimento. São muito comprometidos na associação que desenvolve a cultura das flores “copo de leite”.

Eles acham na meditação do Evangelho do dia feita cada manhã às 5h a força para continuar o caminho.

Quanto a mim, medito esta reflexão de Lucas, padre da nossa equipe Prado Internet fidei donum no Uruguay no nosso primeiro “encontro conferência skype” sobre a ficha 1 de preparação para a Assembleia Geral do Prado, a partir das dificuldades que ele encontra:

“A ação do Espírito Santo, não é só quando há muita adrenalina, que se vêem muitas coisas se transformando. Quando Elias encontra Deus na entrada da gruta, depois de ter tentado transformar as coisas com as suas próprias forças e se ter desesperado até ter uma atitude suicidária, não é no fogo, nem no trovoão, nem na tempestade, nem no terramoto, mas no “som dum silêncio”. (1 R 17-19)

3.4 Comunidade São João Batista: “ministro da palavra e da eucaristia” num mundo caracterizado pelas divisões e pela violência, “ministro da reconciliação”…

No C.P.P. do sábado 15 de julho, o coordenador anuncia que sua comunidade está em crise e que não é mais possível celebrar juntos. Não dá mais explicações.

No domingo no fim da tarde, no regresso duma outra comunidade onde fiz visitas e celebrei às 16h, como estava indo celebrar na matriz em Dores, paro um momento nesta comunidade em crise. A igreja estava aberta. A celebração da palavra era prevista, como de costume, para às 19h. O coordenador explica que Edson, uma pessoa que é da comunidade, mas frequenta pouco, foi agredir sexualmente Ana-Maria, a esposa de Omério, ministro da eucaristia, no seu domicílio. Ela tirou para o céu, provocando a fuga do agressor. Omério perdeu a cabeça e, acompanhado por um outro, foram buscá-lo na sua casa, entrou de moto nesta casa, quebraram as coisas na presença da esposa e das criancinhas do Edson. Como não estava aqui, foram buscar na casa do pai do Edson onde entraram também com arma. Quando o encontraram, pois se escondia na mata, espancaram o Edson, ameaçando ele com armas.

Ouvindo isso, deixo uma carta escrita em meu nome e em nome do Pe Juarez que estava seguindo uma formação em Florianópolis, dizendo à comunidade que rezavamos por eles e os chamando a rezar.

Houve uma campanha e um referendum para proibir a posse de armas, em vão. No pequeno patrimônio vizinho, 2 pessoas são paraplégicas por causa de “brigas de família” com armas.

No 22 de julho, passo visitar Omério que reconhece todos os fatos, pede para entregar a seu cargo de ministro da eucaristia. Explica que, de repente, se lembrou que era ministro da eucaristia e não podia agir assim, que parou, “senão o tería matado”. Explica também como a sua esposa não pode mais sair porque Edson criou fofoca sobre ela dizendo que tinha vida dissoluta. Mas por que não foi a polícia? “Chamamos outras vezes e não faz nada.” Este opinião foi confirmada pelos responsáveis da câmara quando os encontramos na visita pastoral de Dom Célio. Ana-Maria diz que Custódio veio lhe dar o texto da oração deixado à comunidade e que lhe tocou muito o coração. Eles o mostram a todas as pessoas que vêm visitá-los.

A partir desta briga, 1/3 das pessoas da comunidade, as que são diretamente aparentadas ao Edson, não vêm mais celebrar e rezar por causa de honra atingida pela vingança de Omério.

Na sexta-feira 11 de agosto, Adilson, ministro da palavra na comunidade São João Batista, primo de Edson, vem pedir a autorização para não mais atuar na comunidade São João, mas ir a comunidade vizinha Santo Antônio, há 2 kilómetros dai. Ele reconhece a agressão grave de Edson. Enquanto está denunciando a vingança de Omério, ele diz compreender ele ter “perdido a cabeça” e não querer o julgar. Refletimos com ele e o ajudamos a perceber que mudar de comunidade não é solução e é contraditório querer anunciar a palavra de Deus na comunidade vizinha porque ele não quer mais vir rezar na sua comunidade. Nós o chamamos para se tornar verdadeiro “ministro da palavra”.

À tarde, depois duma longa negociação com Omério e com o Pe Juarez, conseguimos um encontro entre Adilson e Omério, uma reza em comum. Omério não aceitou ir à casa de Adilson, mas disse aceitar abrir a sua porta se o Adilson vir. Estavamos longe dum encontro direto entre os dois protagonistas diretos da briga, mas Adilson, primo do Edson, já tinha feito uma abertura.

No dia depois, acompanhado por Adilson, vou à casa do Edson. Ele começa negando a tentativa de agressão sexual. Faço-lhe uma descrição do típo psicólogo que acho ser o seu depois de ter escutado Adilson falar do seu primo que já teve problemas antes. Edson reconhece tudo e confirme outros problemas anteriores. Ele aceita escrever uma carta ao Omério na qual ele reconhece os fatos, pede perdão, fala também da vingança que não era justa, se compromete em se fazer seguir por um psiquiatra. Acaba “escrevendo” (na realidade é a esposa do Edson que escreve, porque tendo 30 anos, não sabe escrever) que está rezando para o Omério e lhe pede para rezar para ele também. Reconhece também ter feito fofocas de Ana-Maria. Aceita a proposta do sacramento da Reconciliação.

Com o Adilson, ministro da palavra e primo do Edson, fomos trazer a carta ao Omério e à Ana-Maria que a acolheram imediatamente e escreveram uma resposta em termos comparáveis. Foi combinado que Omério iria ler as duas cartas no início da próxima missa na comunidade. Edson não participava da comunidade e não o provocamos a voltar no imediato.

Cada um dos protagonistas escolheu não recorrer à justiça contra o outro, o que levaria ambos à delegacia.

Adilson, ministro da palavra que se comprometia assim neste caminho de reconciliação, pediu a Omério para vir à casa do seu Pai, e na casa do Pai do Edson, para pedir perdão por ter entrado com arma e pela vigança que atingiu a honra da família. Omério aceitou.

Em cada casa visitada, depois de ter explicado o andar e de ter lito as duas cartas, pedi para aceitarem rezar juntos o Pai Nosso. A resposta foi imediato: “Quem pode rejeitar uma tal proposta?” Rezamos nos dando as mãos. Enquanto não se tinham cumprimentado, nem falado desde o início da visita, Omério e João, o pai de Edson, assim também como o pai do Adilson, se daram o abraço da paz.

Os da família do Edson prometeram voltar para a próxima missa da comunidade que Juarez devia celebrar uns dias depois. No sábado 19 de agosto, Omério leu as cartas mas a família do Edson não veio. Nesta celebração como na comunidade vizinha, chamamos as famílias a acolher o dom de Deus nestas cartas, a contemplar Cristo que chama homens pecadores como os apóstolos, tal como Pedro que cortou a orelha do soldado e renegou Cristo. chamamos a seguir de novo o caminho duma vida na paz. Sublinhamos o trabalho do coordenador, dos que foram rezar diante do Santíssimo, de Adilson que foi um “verdadeiro ministro da palavra”.

Depois da celebração, houve um conselho excepcional na presença do Pe Juarez. A comunidade confirmou Omério na sua carga de ministro da eucaristia deixando ele ver quando queria atuar de novo. Isso foi um modo de não pronunciar uma exclusão, sem fazer como se não houvesse nada, sem ir com mais pressa do que a comunidade suporta.

Pelo intermédio de Adilson, o pai e os tios de Edson nos chamam de novo para nós virmos visitar todas as casas da família e não só as duas casas já visitadas.

No 10 de setembro, tomei de novo o cajado do peregrino. Almocei na casa do Pai do Adilson. Aceitou me acompanhar para visitar cada família e ajudar os outros irmãos a se deixarem tocar. Escutamos o sofrimento de cada um, lemos as cartas, propusemos oração. A cada vez, insistindo sobre o fato de que era só proposta, propus aos que desejavam aproveitar da minha visita para receber o sacramento da Reconciliação, a força de Deus para viver a reconciliação. Todos os da casa vieram receber este sacramento uns após os outros. A cada vez, a partilha foi excelente.

À noite, na missa mensal da comunidade, mais uma vez não havia ninguém desta família. Quando passei de novo no dia de folga dos padres para visitar as casas que não tive tempo de visitar, o pai do Adilson explicou que “era preciso tempo”. Como entrar no “tempo de Deus”? Como saber no mesmo tempo insistir porque todo este tempo sem as famílias se encontrarem, rezarem juntos, contribue em alimentar fofocas? No outro dia, um menino de 14 anos, no ônibus, falou de novo em voz alta das fofocas contra a Ana-Maria na presença dela. Pois ela respondeu… “Para a família Machado, será preciso dois caixões, um para a pessoa, outro para a língua…” E foi necessário passar de novo, falar, chamar. Neste mundo da roça onde cada um se conhece, fazemos a experiência forte do que também é verdade na cidade: Não há só as armas que matam, a palavra também.

Se eu tomei tempo para evocar esta situação, é porque ela ilustra bem a dificuldade da vida entre as pessoas de algumas comunidades, provocando mortes, mudanças, destruções de comunidades. Vês-se o trabalho de fé de tal ou tal ministro da palavra, responsável pela comunidade. Vês-se alguma coisa do “ministério segundo o Espírito Santo”, “ministro da reconciliação”. Se as divisões se exprimem com força aqui no Brasil, o mesmo desafio vivemos na França, nas comunidades cristãs e sociais. Encontro também a mesma força da palavra de Deus para tentar superar. Encontro este trabalho de homens e mulheres de boa vontade, não só pessoas de fé ou cristãos, para tornar possível o convívio nos bairros mais pobres. Percebo também aí riquezas do nosso ministério de padres.

Na preparação da Assembléia Geral do Prado sobre o “ministério do Espírito Santo no meio dos pobres…”, fomos muito convidados em meditar esta palavra de Jesus na sinagoga de Nazaré no início do seu ministério:

“O Espírito do Senhor é sobre mim, pois que me ungiu para evangelizar os pobres, enviou-me a curar os quebrantados do coração, a apregoar liberdade aos cativos, a dar vista aos cegos, a pôr em liberdade os oprimidos, a anunciar o ano aceitável do Senhor. E, cerrando o livro e tornando a dá-lo ao ministro, assentou-se; e os olhos de todos na sinagoga estavam fitos nele. Então, começou a dizer-lhes: Hoje se cumpriu esta Escritura em vossos ouvidos.” (Lc 4,18-21)

Sim, é hoje que vejo Cristo trabalhar para libertar cativos por intermédio deste ministro da palavra e de tantos outros.

4. Pastoral da Juventude

Visitando de família em família, vários jovens me questionaram sobre o que íamos fazer para os apoiar, para lhes permitir iniciar de novo os grupos, que quase todos estavam parados. Em abril e maio, fomos conduzidos a propor uma reflexão no C.P.P. e em cada uma das Comunidades de Base.

Em Dores, dois professores se interessaram imediatamente na reflexão proposta e fizeram equipe comigo para elaborar um projeto a submeter primeiro no C.P.P. de maio, depois aos jovens. Em Guaçuí, por falta duma reflexão possível neste momento na equipe pastoral, não insisti no enquanto. Juarez me pediu para propor de novo o assunto em Guaçuí no ano próximo olhando como articular com a pastoral das vocações e o trabalho das irmãs.

Em Dores, apoiando-me na reflexão feita no C.P.P., nós pedimos aos coordenadores das Comunidades de Base para provocar 2 ou 3 jovens da sua comunidade a vir participar de um encontro ao nível de paróquia.

No 4 de junho, foram 18 jovens de 6 das 14 comunidades que se encontraram. Fizemos estudo do Evangelho a partir de Atos dos Apóstolos 3 e 4, nos centrando neste primeiro encontro na cura do paralítico por Pedro e João. Impressionante ver todos estes jovens chegar com a Bíblia sem ninguém o ter pedido, partilhar imediatamente com muita profundeza. Tomamos tempo para tentar partilhar sobre as paralisias que os atingem assim como os seus colegas. Nos encontros seguintes, fizemos estudo do Evangelho a partir do resto da narração.

Depois, fizemos uma proposta aos jovens:

–     A partir deste texto de Atos dos Apóstolos 3 e 4, tentar identificar as paralisias que os atingem, eles e/ou os seus colegas, escolher uma e tentar fazer ação concreta para transformar a situação.

–     Lhes propor dois tempos fortes:

  • Fim de novembro, um dia paroquial a criar com eles com dois pontos de referência:
  • Que a palavra de Deus seja presente, e que haja uma celebração eucarística
  • Que se proclame o que sería realizado em cada comunidade que pode ser totalmente diferente do que foi proposto a partir de Atos dos Apóstolos 3 e 4
  • Uma romaria no início de janeiro.

–     Lhes propor escolher um representante para cada um dos 5 setores da paróquia que aceitaría de preparar o próximo encontro de todos os representantes das comunidades para que não seja mais nós a animar.

–     Os provocar a tentar tomar contato com os jovens das comunidades ainda não apresentadas.

A proposta foi recebida com entusiasmo. De encontro em encontro, adiantamos bem na preparação do encontro paroquial do fim de novembro. Tal grupo tem dificuldades em se encontrar e em fazer alguma coisa, tal outro tem entusiasmo e fez um questionário para partilhar com os outros jovens sobre a tal paralisia que eles identificaram. Falaram sobretudo do álcool que atinge todas as famílias, a preocupação do meio ambiante (uma comunidade está ao pé do Pico da Bandeira é muito sensibilizada neste assunto com todo um trabalho do município, e da comunidade cristã local). Provocados por nós, lançaram também uma reflexão sobre os estudos: por que a maioria dos jovens param com tanta pressa os estudos enquanto há possibilidades de estudar no nível local? Foram efetivamente visitar as comunidades ainda não apresentadas. Em dois lugares, comunidades vizinhas associaram-se para fundar um grupo de jovens em comum. Uma outra comunidade, além do de São João Batista, num patrimônio importante, é paralisada por divisões fortes entre os adultos que têm repercussões ao nível dos jovens. Devo encontrar os jovens na próxima missa da comunidade.

Foi grande surpresa para mim a preparação do encontro paroquial, de ver os jovens insistir para que os pais sejam convidados neste dia. O E.C.C. foi contatado para animar uma reflexão entre pais e com os irmãos e irmãs mais jovens, para organizar o almoço comunitário que será partilhado a partir das ofertas das famílias e cozido por volontários. No momento das ordenações, conseguem oferecer um jantar quente “gratuito” a mais de 3 000 pessoas.

Sugeri uma romaria de uma semana… Os jovens acharam que era longo demais: nunca sairam da casa e há o trabalho na roça. Escolheram um período de 3 dias e de organizar uma romaria para as comunidades do norte da paróquia e uma para as comunidades do sul para visitar todas as comunidades e não ter um grupo grande demais. Se fará na primeira semana de janeiro.

Foi escolhido de fazer dentro da paróquia para que não haja pessoas escluídas pelo preço e para ter um impeto na paróquia provocando outros jovens a entrar na dinâmica. Tomaremos São Paulo como companheiro de romaria na leitura dos Atos dos Apóstolos. Iniciaremos numa comunidade, partilharemos os atos, rezaremos, andaremos a pé para a comunidade seguinte onde almoçaremos, continuaremos preparando a celebração da noite que ocorrerá na comunidade seguinte onde jantaremos e dormiremos. Os jovens irão convidar as pessoas da comunidade a participar da celebração.

Os representantes dos jovens das diversas comunidades encontraram Dom Célio na sua visita pastoral e lhe apresentaram o caminho feito. Ele ficou interessado e pediu que um éco fosse dado na diocese.

Na correspondência precedente, dizia da dificuldade para mim em ver padres só celebrar em missas e fazer intervenções pontuais sem poder acompanhar no tempo com outros. Estou feliz em poder viver o ministério dum outro jeito agora, com um verdadeiro trabalho de formação e de acompanhamento e em equipe com leigos.

Nós vamos trabalhar para acompanhar melhor outras pastorais, tal como os Círculos Bíblicos, a Pastoral das Crianças.

5. Visita pastoral de Dom Célio

Dom Célio anunciou a sua visita pastoral dizendo que queria encontrar responsáveis civis e políticos. Com Juarez, fizemos uma proposta que submetemos ao C.P.P. Olhamos como esta visita poderia ser uma maravilhosa ocasião para favorecer um tipo de reflexão que não existia e aproveitar de contatos que não teríamos senão com ele, e como ajudar a comunidade cristã a ser menos fechada em seu funcionamento interno, como a visita pastoral poderia ser “palavra” para os organismos visitados.

Prevemos que cada manhã seria para encontros e visitas de realidades exteriores a Igreja, cada tarde para visitas às comunidades, com eucaristia na mais pobre, a noite. Para não ficar num nível de visitas protocolares, preparamos questionários deste tipo:

–     A partir da responsabilidade que vocês têm, o que percebem na vida das pessoas, ao serviço das quais se encontram?

–     Quais são as suas alegrias, dificuldades, projetos?

–     Se você tem fé, como ela o ajuda, o questiona?

No C.P.P., refletimos: quais grupos encontrar? Quem convidar para que não haja muitas pessoas e que seja uma verdadeira partilha? Quem não esquecer? Com os leigos, nos repartimos a responsabilidade de contatar uns e outros.

Encontramos pois:

–     Os prefeitos e os seus colaboradores nos municípios de Dores e Guaçuí. Foi um tempo de partilha forte. Em Dores, foi ocasião de dar écos do trabalho feito nas visitas nas comunidades evocadas acima e do trabalho com os jovens. Em Guaçuí, a visita ocorreu no momento onde o prefeito acabava de receber o seu afastamento por causa de irregularidades na campanha eletoral vários anos antes.

–     Em Dores, um grupo de 10 professores e diretores de escolas, tanto da roça quanto na cidade, no ensino primário, medio, secundário, ensino de manhã, de tarde ou de noite. Foi um membro do C.P.P. que alertou para que os professores da roça não fossem esquecidos. A mesma sala de aula é utilizada cada dia por alunos que estudam de manhã, outros à tarde, outros à noite, depois do trabalho na roça, das 18h às 22h.

–     Um grupo de profissionais da saúde em Guaçuí: foi Dr José-Luiz, e Dr Kishma, o diretor da Santa Casa da Misericórdia, com quem já tinha refletido (cf. Correio precedente) que organizaram tudo. Conclusão duma dentista muito comprometida com os mais pobres: “Este encontro é muito bom se for o primeiro de vários.” Dom Célio os provocou em aproveitar da minha presença como padre e médico.

–     A delegácia onde Dom Célio teve um momento de partilha com os 60 presos (há 20 lugares teóricos). Foi ocasião de incentivar a pastoral carcerária e de obter uma missa mensal. Uns meses atrás, não conseguíamos ter acesso nesta delegácia e foi a Legião de Maria que fez todo um trabalho para iniciar de novo esta pastoral. Em Guaçuí, a situação é mais humana do que nos grandes presídios que são evocados nas notícias no Brasil. Na festa do padroeiro da diocese, no fim da missa campal celebrada com 10 000 pessoas, os meios de comunicação social, os 4 bispos do estado do Espírito Santo fizeram uma declaração forte contra um projeto desumano de construção de novos presídios, criticando fortemente o ministro da justiça do estado. Apoiaram formulas de prisões locais, com um regime de semi-liberdade, para facilitar a reintegração dos presos.

–     a A.P.A.E.

–     o asilo

–     uma associação de apoio as mães solteiras

–     o juíz de Guaçuí

–     a associação dos comerciantes e industriais de Guaçuí

–     o laticínio e uma serralharia em Dores

–     almoço na casa das irmãs, outro almoço com os diáconos e dois pastores com quem houve muitas convergências na reflexão em relação com os evangélicos;

–     um grupo de catequese especializada para crianças com deficiência que foi promovido por Juarez na dinâmica da Campanha da Fraternidade

–     um encontro com a “escola da teologia” que forma uns cinqüenta leigos com aulas cada quinta-feira das 18h às 22h.

A cada vez que visitávamos uma realidade ou encontrávamos agentes sociais, achávamos responsáveis pelas comunidades cristãs. Recebemos depois numerosos écos do impeto para eles que o bispo e nós-mesmos, vieram visitá-los no que faz o seu trabalho, as suas preocupações. Foi um momento forte para perceber tudo o que já se realiza do reino de Deus na sociedade.

Em Guaçuí, o bispo participou da “feira bíblica”, encontro dum dia lançado pelas irmãs e que consiste em provocar cada comunidade a fabricar maquetes de cenas bíblicas e as apresentar aos que vêm as visitar. Se as maquetes foram belíssimas, os comentários dos jovens foram extraordinários. Pedimos aos jovens para apresentar estas maquetes nas comunidades na missa que seguiu a feira bíblica.

Ao longo desta visita pastoral que se encerrou com uma missa na quadra de esportes de cada cidade, Dom Célio mostrou um grande carisma de simplicidade, de contato com as crianças, as pessoas doentes, idosas ou com deficiências.

Foi também um tempo ótimo de partilha fraternal com ele durante 6 dias. Confirmou-nos muito no trabalho feito. Foi também ocasião de partilha sobre situações concretas de exclusões na Igreja de pessoas tais como os divorciados recasados, os que são da maçonaria.

Foi ocasião para partilhar sobre o carisma do Prado, o que nós tentamos viver nesta linha.

6. Vida de equipe do Prado

Continuo em participar com muita alegria da equipe do Prado do Espírito Santo;

Nestes dias, encontro-me durante 7 dias com 26 padres do Prado de todo o Brasil. Um deles fez 3 dias de barca nos rios do Amazonas para chegar num aeroporto e vir a Salvador da Bahia. Eu fiz 300 km de ônibus e 1 200 km de avião à noite, porque é mais barato, antes de tomar um barco para chegar à ilha de Itaparica uns 10 km em frente de Salvador, nesta bahia maravilhosa.

Fico marcado com a capacidade dos padres do Prado do Brasil em aceitar viagens tão grandes e caras para se reunir em equipes. Calculei que gastei 2 meses de salário para as despesas das sessões, a cotização, as revistas, o transporte, num ano de presença aqui. Para me tornar mais próximo da realidade, uso do salário que recebo em dinheiro, sabendo que todas as despesas correntes são assumidas pela paróquia. Pois, o nosso salário real é bem maior. Recebemos bem mais do que os pobres: dois salários mínimos em dinheiro mais tudo o que recebemos gratuitamente (alojamento, comida, telefone, carro, plano de saúde).

Os do Amazonas explicaram como a paróquia deles não conseguia a pagar mesmo o salário minimo, como passaram vários meses sem receber salário.

Aqui, neste retiro nacional, fico tocado em me sentir tão próximo de padres vindos de horizontes muito diferentes. Isso é mais dificil para mim na diocese de Cachoeiro de Itapemirim mesmo se as relações são também muito fraternais. Aqui, com o carisma comum, tenho a impressão de falar a mesma língua.

O que me surpreendeu também, a cada encontro do Prado no Brasil, é que foi bem raro eles não evocarem os padres franceses, que pertencem ou não ao Prado, que os tocaram com o seu compromisso concreto com os pobres, o compromisso deles em se parar, em ler o Evangelho. Não esperava declarações repetidas e fortes para testemunhar como gestos simples destes padres influenciaram o seu caminho de padres brasileiros. Os nomes de Bruno Bibollet, Guy Gelly, Philippe Mallet, René Guere, Marcel Cortey, e outros, voltam sempre. É ocasião para mim de cumprimentar os meus antecessores que vão receber esta carta. É também uma chamada para questionar não tanto com palavras, mas rezando ao Espírito Santo para me levar à um seguimento concreto e real de Cristo no meio dos pobres.

7. Retiro em Janaúba no início de agosto

No mês de março, durante o retiro dos padres da diocese de Cachoeiro de Itapemirim quando ele nos pregava, Dom José Mauro pediu ao Pe Olímpio para ir pregar o retiro dos padres da sua diocese de Janaúba e oportunizar a espiritualidade do Prado. Ele lhe disse quanto ele buscava apoiar os padres da sua diocese que foi criada a partir de partes de duas outras dioceses, 5 anos antes. Como Olímpio não podia ir, me pediu que fosse. No mês de junho, Dom José Mauro foi transferido para uma diocese mais “importante” no sul do Minas Gerais, estado grande como a França.

Janaúba encontra-se no norte do Minas Gerais, a 1 000 km de Dores, 600 km norte de Belo-Horizonte. É uma região pobre no nível económico, com uma forte população de origem africana, vivendo numa grande pobreza, empregada nas grandes fazendas.

Uns dias antes do retiro, o administrador da diocese, na ausência de bispo, me telefonou para ver se pensava mesmo em ir, esperando, me pareceu, cancelar a minha ida. Combinamos com Dom José que o retiro iniciaria na terça-feira 1° de agosto de manhã e anunciei a minha chegada um dia antes para me descansar da viagem.

Cheguei no domingo à noite. Na segunda-feira, a noite, como não via ninguém chegar para iniciar o retiro, atravessei a rua para ir questionar o administrador da diocese. Começou dizendo que o retiro foi sempre previsto para um dia mais tarde… Como lhe mostrei o email que recebi de Dom José que me dava as datas, o administrador pediu desculpa que eu não fosse avisado que o colégio de consultores tinha decidido reduzir o retiro. Como lhe pedia o seu programa da manhã, abriu a sua agenda onde estava inscrito: “retiro”… Propus estudarmos juntos o Evangelho mesmo se os outros chegarassem só à noite. Então, tomou o telefone e fomos 5 para iniciar o retiro na data prevista. Pouco a pouco, outros chegaram. 8 sobre 18 não vieram, 6 entraram realmente neste retiro, 6 outros participaram mas ficando mais a distância. Aqui, era um dos mais velhos, o que não é o meu costume na França onde era sempre um dos mais jovens.

Aqui, tal como fazia na França, propus um retiro fazendo juntos o “estudo do Evangelho” sobre a tema: “Viver o ministério de padre nos deixando conduzir pelo Espírito Santo”. Cada manhã, introduzia brevemente um texto e cada um era convidado a fazer o seu próprio estudo. Às 11h, nos encontravamos para partilhar as nossas luzes. É um jeito de provocar a mergulhar realmente na Escritura, a se exprimir entre padres a partir da palavra de Deus. Aqui, me ajudou com as minhas dificuldades para me exprimir em brasileiro. No fim da partilha, dizia alguns pontos mais importantes e deixava a minho própria reflexão por escrito. A tarde, iniciavamos lendo trechos dos escritos espirituais do Padre Antônio Chevrier.

Foi-me dado a perceber muitas misérias, bem mais do que podia imaginar encontrar. Percebi também alguma coisa da chamada de Deus nestes homens jovens, vivendo o ministério num isolamento completo. Alguns são sozinhos com 80 comunidades constituídas de algumas famílias só num território paroquial que podia se estender sobre mais de 100 quilómetros de estradas de chão, muito ruins. Eles celebram até 5 missas no mesmo dia mesmo durante a semana e acabam perdendo o sentido do que escolheram. Partilhamos muito a partir daí, incluíndo sobre como se organizar parando de correr duma comunidade a outra, celebrando tantas missas num dia. O clima nascido deste partilha do Evangelho num momento dificil da vida da diocese me tocou.

Aqui, mais do que noutros momentos, senti a importância de enviar padres européus em missão. Se nós temos poucos padres na França, se é sorte nós recebermos na França padres vindos de outros países para alargar os nossos horizontes, há uma grande necessidade em continuar enviar padres franceses a outros países, não tanto para celebrar algumas missas suplementares, mas para recebermos da fé dos pobres e do dinamismo das Igrejas emergentes, e partilhar espiritualidades diocesanas que podem ajudar. É bem na riqueza desta partilha entre padres originários de vários horizontes para um melhor serviço dos homens, que percebo a urgência em enviar padres para a missão fora.

Olímpio pediu-me para ver com Juarez como guardar a preocupação duma ligação com os padres desta diocese de Janaúba. Se tal ou tal dentre eles contatar, Juarez me libertaria para ir passar um momento com eles. Dom Célio, com quem partilhamos sobre o que percebi aí nos confirmou neste sentido e se questionou: “Como a Igreja de Cachoeiro de Itapemirim poderia se entreajudar com esta Igreja?”

Tal como nós, Dom Célio não compreende a decisão de tirar um bispo jovem e muito capaz, evangélico, 5 anos só depois de o ter enviado para criar esta diocese a partir de nada. Dom José, quando chegou, não tinha nem carro, nem nada para animar a diocese.

A mulher leiga que aceitou segui-lo para ajudá-lo a organizar a secretaria da diocese, a contabilidade, testemunha de dias onde tinham fome por falta de finanças diocesanas. Desde que saiu o bispo, o conselho dos consultores a despediu de repente: ela exigia uma contabilidade rigorosa… Ele teve de ir embora sem poder acabar os estudos que seguia na faculdade de Janaúba enquanto ajudava Dom José em estruturar a diocese. Como nada foi previsto, tive pessoalmente de levar a sua bagagem para Belo-Horizonte onde ela vivia antes.

sexta-feira 16 de setembro: durante o retiro nacional do Prado, foi anunciado a morte de Dom José Mauro, carbonizado no seu carro, atropelado entre 3 caminhões. Para a Igreja do Brasil, em particular para os que agem para edificar uma Igreja aberta, conciliar, próxima de todos, em particular dos mais pobres, é uma grande perda. Não é o primeiro bispo que morre num desastre. O ministério deles lhes conduz a fazer quilómetros na sua diocese, assim também como para os encontros entre bispos. Aí, Dom José ia para Belo-Horizonte, capital do estado. 2 dias depois, um outro bispo, muito próximo de Dom Esmeraldo que prega o nosso retiro, morreu num desastre.

Esta insegurança caráteriza também a vida no Brasil: o estado das estradas, a inconsciência dos motoristas, fazem que, desde que cheguei a Brasil, recebi muitas vezes este tipo de notícias. Nos 30 quilómetros entre Guaçuí e Dores, não há uma curva, nem uma cima de subida, sem marcas de freios ou de desastre. Muitos motoristas ultrapassam mesmo se não houver visão nenhuma. E o que dizer dos pedestres, animais, ciclistas sem luzes, andando no meio da pista, e os motoristas dirigindo alcoolizados!

8. Equipe Prado Internet

Desde minha chegada no Brasil, participo duma equipe Prado Internet com três outros padres do Prado saídos da França no mesmo momento: Henri, no fundo da Argelia, Lucas no Uruguay, Tiago na Bolívia. Começamos partilhando por email “revisões de vida”. Há dois meses, começamos partilhar por conferência telefónica com skype. Durante 2 horas, sem pagar nada, uma quarta-feira por mês, partilhamos notícias de cada um, depois refletimos a partir das fichas de preparação da Assembleia Geral de julho 2007. É um apoio precioso. Quando nos conectamos, são 8h na Bolívia, 9h no Uruguay e em Guaçuí, 14h na Argélia.

Estou convencido que há aqui uma solução extraordinária para permitir a padres isolados entrajudarem-se numa vida espiritual.

9. Serviço do Prado: traduções, mês pradosiano, ano pradosiano

Olímpio virá me substituir uns dez dias em novembro para eu ir em Aracruz, no norte do Espírito Santo ajudar o primeiro pradosiano do Brasil a traduzir o « Verdadeiro Discípulo » para uma edição brasileira. Em colaboração com o Prado de Portugal, se faz uma tradução das cartas do Padre Antônio Chevrier. Por causa da preparação do retiro de Janaúba, há um momento que não adiantei as traduções.

Com Olímpio, somos a estabelecer uma lista de emails dos padres do Prado do Brasil a fim de favorecer a comunicação entre nós. Já transmitimos o « Verdadeiro Discípulo » em versão numerica.

O mês pradosiano, tempo forte de leitura do « Verdadeiro Discípulo », de estudo do Evangelho, de releitura da vida e de vida fraterna que cada pradosiano se compromete em fazer todos os dez anos, devia acontecer no mês de julho. Por falta de participantes, foi cancelado. Por fim, vai ocorrer no mês de janeiro na paróquia de Dores. Olímpio virá animar comigo para 9 padres vindos de todo o Brasil. No fim da semana, iremos celebrar nas comunidades de Dores e Guaçuí. Estaremos numa casa colocada a nossa disposição por uma família, na roça, no lugar mais pobre da paróquia de Dores, na comunidade Santa Isabel. Estarei assim na “obrigação” de me parar e ir à fonte…

10. Pastoral da saúde e cuidados paliativos

No regresso do retiro que acaba no dia 19 de setembro, irei passar dois dias em Dores e voltarei no sábado a Cachoeiro de Itapemirim (115 quilómetros) para dar uma palestre sobre o meu livro « Em fim da vida ». É o Padre Américo, Camiliano, diretor da universidade Camiliana de Cachoeiro de Itapemirim, um padre que passou um periodo na França e fala um francês perfeito que me pediu para fazer. É responsável para Pastoral da Saúde desde o início do ano.

Recentemente, um médico de Guaçuí aceitou ajuda para tratar a dor da sua sogra que morria dum cancer do páncreas. Espero isso beneficiar à outras pessoas.

11. Subida ao Pico da Bandeira e descoberta do Brasil

O retiro em Janaúba foi ocasião para visitar 3 das cidades históricas surgidas na busca do ouro e de vários minerais: Ouro Preto, Mariana, Sabará. Foi ocasião para atravessar espaços com pouca população no norte de Belo-Horizonte. As paisagens não são tão belas quanto as do estado do Espírito Santo e das paróquias  de Dores e Guaçuí em particular… Já me torno chauvinista.

Ao regresso, fiquei acolhido por Francisco Lewden, padre da diocese de Bordeaux (França), padre operário atualmente desempregado e que mora numa das favelas de Belo-Horizonte. Encontramo-nos a proximidade da rodoviária. Quando chegamos à entrada da favela, um jovem assobiou para assinalar a chegada dum carro estrangeiro mas que ele não considerava como hostil por causa da presença de Francisco nele.

Foi um momento de partilha fraternal com Francisco, coordenador local do C.E.F.A.L. (Comissão Episcopal França America Latina), comissão que serve os laços entre a Igreja de França e as Igrejas da América Latina, e que cuida da entreajuda entre todos os padres, religiosos e religiosas, leigos e leigas franceses em missão na América Latina. Até hoje, nos conhecemos só por intermédio de Internet.

O retiro nacional do Prado foi ocasião para descobrir Salvador na Bahia e a ilha de Itaparica. Era retiro… consegui só uma vez ir tomar um banho na praia distante de 300 metros com areia branca e palmeira.

No fim de junho, na entrada no inverno aqui, aproveitamos a passagem de Olímpio para fazer a subida de noite ao Pico da Bandeira, para assistir o nascer do sol. A temperatura la em cima era próxima de 0°. Chegados ao topo, o guia que nos acompanhava, ministro da palavra numa das comunidades de Dores, tirou a Bíblia da sua mochila. Éramos três padres e um leigo, e foi aquele que tinha a Bíblia… Maravilhosos leigos brasileiros!

12. Votos de bom início de ano a vocês todos da França…

Paro-me aqui e lhes faço graça de lhes dar notícias de todas as outras comunidades visitadas. A próxima carta não chegará antes de seis meses. Esta carta pode dar a impressão eu estar ocupado, demais, porque resumo 6 meses e tento dar algo mais do que flash caricaturais… Não é a realidade. Tenho menos pressão do que quando estava na França numa paróquia de 4 x 2 quilómetros, 100 000 pessoas, mas 1% praticantes. Em janeiro, terei a oportunidade de viver o mês pradosiano (3 semanas) e, a seguir, a “semana de espiritualidade do Prado” do estado do Espírito Santo.

Se vocês não o tinham percebido, fico muito feliz e muito agradecido a Dom Daniel, bispo da minha diocese de Créteil, a Dom Célio, bispo de Cachoeiro de Itapemirim, a Robert Daviaud, responsável geral do Prado de me ter enviado aqui, de me dar a sorte de viver este encontro com outro país, outra Igreja, ao mesmo tempo tão diferente e tão parecida com a Igreja da França, me estimulando a receber e dar, em refletir muito concretamente sobre “como me deixar conduzir pelo Espírito Santo no meio dos pobres?”

Estejam certos de que rezo por vocês todos. Conto também com as suas orações. Sabem que, graça a Internet, fico bem presente a cada um de vocês, à Igreja de Créteil, de Lyon, ao Prado da França, a minha família, a vocês todos que importam para mim. Nunca li tanto o jornal “La Croix” que acho na Internet. Leio fielmente as folhas paroquiais que recebo de Champigny, os correios de Créteil, do Prado, etc.

Estou sempre feliz em acolher pessoas vindo viver outra coisa além do turismo e partilhar com outra Igreja. Tive a alegria estas últimas semanas em acolher Verônica (cf acima), e também dois padres de Toulon e Marseille vindos de Récife só para cumprimentar-me. Vou receber um jovem casal que vem viver a sua “lua de mel” encontrando uma outra Igreja. Eu os conheci na romaria vocacional do Prado da França. Terei férias bisanuais na França do fim de junho até o início de agosto de 2007. Ficarei feliz em encontrar alguns de vocês, tendo consciência que o tempo passará com muita pressa.

Lembro na minha oração desta festa do quadragésimo aniversário da diocese de Créteil e das dioceses vizinhas. Estou sempre feliz em receber as notícias que podem enviar. Desejo a todos vocês “se deixarem sempre mais conduzir pelo Espírito Santo”. Um abraço fraterno.

Bruno

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