Pentecoste em Befeta (Madagascar) Inicio das encenações do Evangelho e da ação em relaçao com o Alcool (4/7/2011)

Prezados irmãos e irmãs do Brasil,

A festa de Pentecostes foi um momento de abertura para novas perspectivas na ação pastoral após um período da Páscoa onde a cruz ficava omni-presente. Quando chegar à França, colocarei novas fotografias ilustrando esta carta (http://www.flickr.com/photos/fianarantsoabruno/).

1 Ao serviço do Prado de Madagascar

Para os que entendem da língua francesa, acharão no novo blog do Prado de Madagascar (http://prado.madagascar.over-blog.com) com notícias do meu serviço aqui. Haverá um retiro dos padres que fazem a “Primeira Formação do Prado” (equivalente do noviciado que se faz em dois anos por sessões) de 23 a 25 de julho, seguido do Encontro Nacional do Prado de Madagascar, de 25 a 29 de julho. Além disso, animarei o retiro dos padres da diocese de Ambanja no norte de Madagascar de dois a sete de agosto. Ainda iniciaremos cinco retiros regionais do Prado após o natal, inspirados pelas semanas de espiritualidade do Prado do Brasil. Com certeza, rezaremos para o Prado Brasileiro, que terá a sua Assembléia Nacional no fim do mês de agosto para eleger aquele que substituirá o Padre Olímpio, que tanto se dedicou para o Prado do Brasil. Estamos também adiantando o trabalho de tradução e de edição de livros do Prado (Constituições, Cartas do Padre Chevrier e Escritos Espirituais).

2. Um povo que sofre além do imaginável e que afunda na pobreza econômica e, sobretudo, moral

Na carta da Páscoa, falei do sofrimento do Povo de Madagascar. Aqui relato fatos mais claros:

Desde o último golpe de estado no mês de fevereiro de 2009 para eliminar o presidente Marc Ravalomana, que conforme já informei ia se enriquecendo pessoalmente ao invés de servir o país, Madagascar é governado por uma “Alta Autoridade da Transição”, presidida pelo Sr. Andry Rajoelina. Ele prometeu não se candidatar às próximas eleições, que não se sabe quando ocorrerá, porém já iniciou a sua campanha eleitoral. As conferências nacionais e internacionais discutem uma forma de achar a saída para esta crise, mas não obtém resultados, e enquanto os responsáveis continuam se enriquecendo, o país está afundando tanto na economia quanto na moral.

O Produto Nacional Bruto na África cresceu de 4 a 5 %, não me lembro do que ouvi na rádio, enquanto em Madagascar caiu 1,9 %. O Jornal “Madagascar Tribune” publicou uma manchete na primeira página da edição de 27 de junho: “Os madasgacarienses estão mais do que pobres”. Eis alguns trechos deste artigo: “Em Madagascar, a pobreza atingiu 76,5 % do povo no ano de 2010. Ser pobre é viver com menos de 468 800 Ariary (equivalente a 376 reais) por ano, quer dizer, menos de um real por dia e por pessoa. Por causa desta pobreza, caiu a quantidade de crianças entre 6 e 10 anos indo para a escola, uma queda de 53,3 % entre o ano de 2009 e 2010. Quanto à saúde, a redução de 30 % dos recursos devido a interrupção das ajudas internacionais em relação à situação política do país provocou o fechamento de 214 centros da saúde (não sei se é em nível nacional ou de uma região).”

Quando partilhamos os acontecimentos do mês passado na equipe do Prado da diocese de Fianarantsoa, foi um momento doloroso. Nos meses de março e abril, entre outros, foram os acontecimentos seguintes:

–     Noticias de Delphin, um padre membro da nossa equipa Prado, transferido para a capital após curativos pós operatório em condições de assepsia inimagínaveis (foi operado de um tendão de Achiles no iniciou de janeiro e voltou sem estar curado totalmente no fim de junho).

–     Na paróquia de um dos membros da equipe Prado, os moradores de um patrimônio decidiram pela exterminação de uma família de 9 membros que pensam ser os responsáveis pelos problemas do lugar. No mês de abril, já mataram com muita violência 7 pessoas.

–     Na paróquia de outro membro, a polícia prendeu 3 ladrões e os matou publicamente com tiro durante um jogo de futebol.

–     Multiplicam-se os roubos de ossos humanos. Fala-se de um tráfico internacional sem bem compreender a razão.

–     O reitor do seminário interdiocesano do terço sul da Ilha (9 dioceses, 123 seminaristas) foi demitido das suas funções porque desviou os recursos financeiros do seminário.

–     Na nossa paróquia rural (4 cidades rurais – Befeta, Ikalalao, Isaka e Tomboarivo, 43 746 habitantes, 70 quilômetros sobre 25 quilômetros), neste mesmo período:

  • Um pai decapitou a sua filha
  • Ladrões mataram 2 pessoas
  • Um “Taxi-brousse” sofreu desastre enquanto andava a uns 3 quilômetros por hora: 2 ou 3 mortos, uns 10 pessoas feridas. Estava sobrecarregado com sacos de arroz mais umas vintes pessoas em cima. Rompeu a ponte na qual passava e entornou-se.
  • 7 pessoas morreram por overdose de álcool só no patrimônio de Isaka num mês.

Não são fatos isolados. É situação que se geraliza em um país onde não hà o que podemos chamar de justiça, onde a corrupção atinge todo o sistema, a começar pela polícia militar. Há professores que pedem dinheiro aos alunos para dar boas notas.

Um escândalo com 2 padres que deixaram o ministério há uns 25 anos marcou o país. Foram encontrados 2 (ou 3?) corpos no pátio da casa deles. Fala-se de crianças de um orfanato que eles administram,e que desapareceram. A investigação da polícia parou quando descobriram que é uma bando organizada que implica o responsável pela Região. Fala-se de tráfico de órgãos humanos, mas como é possível num país que não tem estrutura para fazer transplantes? Nunca se sabe o que é a realidade e o rumor.

São alguns fatos no meio de muitos outros. Portanto, no dia a dia, não sinto esta violência e me toca a gentileza da gente. Nunca senti medo, a não ser quando me desloco nos “táxi-brousse”, de moto, de bicicleta ou a pé, quando é preciso atravessar um rio andando por cima de um tronco de árvore.

Para os que se procupam, se guardo dores do desastre de bicicleta de fevereiro e que não posso mover bem o pescoço, estou bem. Farei exames médicos na França no mês de setembro.

3. A relação “Vazaha (estrangeiro branco) / gasy”, uma relação complexa

Na Páscoa, escrevia:

“O mais difícil para mim, é a complexidade para entender o que sentem e pensam os malagasienses, a complexidade da relação com eles, mistura de acolhimento muito fraterno e de feridas fortes em relação com a colonização. Houve guerra de “pacificação” pelos francese nos anos 1895-1913, e, sobretudo, os “acontecimentos de 1947” para impedir um movimento de independência onde os franceses mataram entre 30 000 e 100 000 malagasienses enquanto havia apenas 4,5 milhões de moradores na Ilha. Isso fica muito vivo no coração dos malagasienses, sem falar do sofrimento deles em ver o país afundar no nível econômico, político e numa violência impressionante que eles não podem atribuir só às feridas da colonização. Sofro nesta relação muito complexa com a gente, em particular com o meu paróco. Quando penso que uma relação de confiança conseguiu nascer, me dou conta que é o mais complexo.”

Vou tentar me explicar mais, mas, antes de falar das dificuldades, quero dizer da minha alegria em estar aqui, e o quanto, de um modo geral, me sinto bem acolhido e estou tocado pelas atenções dos meus irmãos padres, a começar pelo Pe Wilson com quem partilho o cargo da paróquia e o Pe Gervais, vigário geral da diocese de Fianarantsoa e responsável pelo Prado de Madagascar.

Portanto, uma irmã vazaha dizia do sofrimento dela quando as irmãs da comunidade religiosa dela, de vez em quando, se fecham totalmente e a excluem da partilha. Outro religioso dizia que, num momento, acho que foi depois da revolução de 1972, os jesuitos gasy da sua comunidade não se reuniam mais com os vazaha. Entre etnias diferentes se vivem também essas exclusões. Por exemplo, os padres da diocese gostavam de partilhar na linga Betsileu na presença do bispo que não podia entender porque era Merina.

Se as atenções por mim são extraordinárias, faço também, de vez em quando, esta experiênça de estar, de repente posto de lado, pelo menos, é assim que sinto, com o risco de me enganar, porque é sempre difícil interpretar os sinais numa cultura que não é sua.

A relação com a “verdade” é também difícil por mim. Em vez de dizer: “não quero ir neste encontro”, um padre pode prometer ir e em conduzir você e, ao mesmo tempo, desligar o telefone dele para que não se possa ligar, não responder quando você chama da janela do seu quarto para dizer depois que adormeceu antes de reconhecer mais tarde que foi por querer que agiu assim. Não é possível dizer “não” na cultura malagasy.

Para os malagasienses, o encontro do outro que está aqui é algo sagrado. Pois, se chegar alguém, se torna mais importante que todos os programas. Esta atenção àquele que chega é bonita, mas nem é sempre fácil vivê-la, nem sempre respeitosa com os outros que esperam.

Mas o mais difícil para mim, é esta palavra que não corresponde sempre com a realidade e que faz com que um não possa mais confiar no outro, sem contar que os malagasienses costumam dizer ao outro o que eles pensam o que o outro queria ouvir.

Com o meu paróco, Pe Wilson, vivenciamos momentos de partilha maravilhosos da missão, do Evangelho, acontece que todas as dificuldades acima se conjugam, como ocorreu na segunda-feira de Pentecoste, mas se tornou uma oportunidade de explicação mútua, de reconciliação e de uma partilha maravilhosa.

É realmente uma riqueza, ao mesmo tempo que passa por um empobrecimento pessoal, que é de apreender pouco a pouco o entendimento entre pessoas de culturas diferentes enquanto os dois são comprometidos de maneira absoluta em viver a fraternidade que encontra a sua fonte no chamado comum por Cristo.

4. Retiro da Primeira Comunhão (26 ao 28 de maio) e congresso do F.E.T. (Movimento Eucarístico da Juventude, 10 ao 12 de junho) sem recorrer ao Evangelho em Ikalalao

4.1 Um jeito de viver a pastoral onde a meditação do Evangelho está ausente no qual estou desconcertado

Se estou sempre tocado com a fé das pessoas, os cânticos, o compromisso dos padres, religiosos e religiosas, catequistas, mais entendo a língua malagasy, mais me encontro dificuldades neste jeito de viver a pastoral sem propor o Evangelho, a não ser na proclamação do Evangelho na missa, na homilia, ainda que muitos padres nem falam do Evangelho que foi proclamado, mesmo que muitos dos cânticos aqui são inspirados dos salmos e em outras palavras da Bíblia. O contéudo da catequese aqui é parecido com o que se fazia na França antes do Concílio Vaticano II, com a diferença de que a Igreja de Madagascar não esperou o Concílio para que os leigos se tornassem a pedra angular da Igreja, além da única pedra angular que é Cristo. Se olharmos bem, na França também, os leigos não esperaram o Concílio para ser pedra angular em numerosos lugares.

De fato, em Madagascar, são os leigos que, sem presença de padres, assumiram a permanência e o crescimento da Igreja no fim do século XIX, no período de perseguição, e são eles que animam as “fiangonana” (um pouco como as comunidades de base do Brasil) que o padre visita só de dois ou três meses. Lembro que a Igreja de Madagascar é jovem e que vamos celebrar os 140 anos da Igreja de Fianarantsoa em breve.

Uma vez, quando dizia o quanto estava encantado com as intenções de oração universal do missal utilizado pelo padre e, que sempre surgiam de uma palavra do Evangelho do dia, sugeri propor aos catequistas ler essas intenções e não as do livro deles, que não tinham esta qualidade, recebi uma reposta negativa, me prometi a não mais fazer a proposta. Fazia a experiênça aqui da complexidade da relação “Vazaha / Gasy”.

Este trabalho pastoral na paróquia rural sem poder colocar o Evangelho no centro continuava portanto a me alegrar, me dando a possibilidade de apreender a língua, de conhecer a vida da gente, de poder acompanhar a Associação dos Padres do Prado de Madagascar. Achava boas condições para uma vida de oração estimulada pela contemplação espontânea das paisagens maravilhosas nos caminhos a pé ou a bicicleta, dos rostos dos pobres, da qualidade da oração deles. Encontrava-me disponível para o serviço do Prado ou para animar outros retiros e já tive alegrias de pregar vários retiros de padres ou leigos. Mesmo que sofresse num jeito pastoral que não entendia, estava feliz nesta “vida monástica” no meio da gente e numa real fraternidade com Pe Wilson, além das dificuldades inevitáveis.

4.2 O retiro da Primeira Comunhão em Ikalalao (27 ao 29 de maio)

No fim de maio, ocorreu o retiro das crianças e dos adultos que iam fazer a primeira comunhão, animado pela irmã Jeanne d’Arc e os catequistas. As crianças ficaram sempre em grande grupo, escutando sempre conferências, ou ensaiando cânticos ou danças, rezando o terço. Nunca houve leitura do Evangelho, nem reflexão em grupos pequeninos enquanto havia catequistas para ajudar.

O livro de catequese que vi, editado nos anos 1980, é estruturado com perguntas e respostas tal como outrora na França. O terceiro capítulo apresenta os anjos, bem antes de apresentar a pessoa de Jesus. Neste retiro, perguntei quem, dos catequistas, a não ser o Mpiadidy (Responsável de um conjunto de fianonana / mais ou menos equivalente das comunidades de base do Brasil), possuía a Bíblia ou, pelo menos, o Novo Testamento. Ninguém! Quando uma criança estava esperando perto de mim para confessar-se, chegou catequista para cruzar nervosamente os braços dela enquanto esta rezava bem. Outro tirou uma criança pela orelha e um terceiro ameaçou outra com um pau, mesmo que que fosse claro que não ia bater nele.

Isso não significa que os catequistas não amam essas crianças, mas foi a educação que receberam e fazem isso com todo o coração. Mas, para mim, é difícil ver isso e me alegro em não saber falar malagasy para não ter de ser o examinador das provas de catequese antes da primeira comunhão e da crisma.

No domingo da manhã, enquanto a Igreja de Madagascar chama muito a atenção em relação com o desmatanento e toma iniciativa de operações de plantio de árvore, o Mpiadidy pediu às crianças para limpar o pátio a volta da igreja para tudo estar limpo para a missa: voo de pardais imediato e as 170 crianças vão arrancar ramos, arbustos para usar como vassouras… No dia de Pentecoste, uns dias depois, foram no mesmo lugar 250 crianças a fazer isso. Na proximidade imediata da igreja, no terreno dela, se encontra 6 abetos não totalmente cortadas mas com grande entalhe na altura de um homem. Um das árvores começou a cair e fica em equilíbrio apoiado contra outra árvore: fica só o centro do tronco. É para fazer “kitay”, pedaços de madeira ainda viva que se torna um combustível maravilhoso.

4.3 O Congresso paroquial do F.E.T. (Equivalente do Movimento Eucarístico dos Jovens na França) em Ikalalao durante o feriado de Pentecoste (10 ao 12 de junho)

Durante este feriado, fui representante dos padres no Congresso anual paroquial do F.E.T. Como no retiro da primeira comunhão, mesma gentileza extraordinária das crianças e dos jovens, mesma fé impressionante, mesma dedicação dos adultos que acompanham, mas a mesma animação exclusivamente de um grande grupo sem proposição da meditação do Evangelho, sem favorecer reflexão pessoal das crianças. Só houve a busca da “Palavra de vida” que peço após a proclamação do Evangelho na missa.

Havia 250 crianças e jovens de 8 a 16 anos. Crianças com 8 anos andaram 50 quilômetros a pé para chegar lá! Irmã Emilienne estava decepcionada, porque havia “só” 250 participantes da paróquia enquanto em outros anos havia até 800.

Quando perguntei, e verifiquei em todas as comunidade que visitei, as crianças e os jovens se dizem membros do F.E.T., mas nenhum deles pertence a uma equipe e o F.E.T. reduz-se numa animação todos os 6 meses antes da missa da comunidade quando vem a irmã. Quando o animador grita “Irak’i Kristy” (enviado pelo Cristo), eles gritam, levantando-se e estendendo o punho em frente: “Idreto zahay” (aqui estamos!); depois o dialogo com o animador prossegue:

  • « Vonona ve (prontos) ?
  • Mandrakariva (sempre) !
  • O seu Pai?
  • Deus!
  • A sua mãe?
  • Santa Maria!
  • O irmão mais velho?
  • Jesus!
  • A sua missão?
  • Amar a Deus, amar ao seu próximo, amar ao país!
  • Os seus exercícios?
  • Rezar, receber Jesus, oferecer-nos para ser apóstolos!”

Na missa de Pentecoste, vários deviam entrar numa nova etapa e fazer promessas (um pouco como os escoteiros) e eu devia receber o compromisso deles. Pois, li o livro do F.E.T., primeiro livro em língua malagasy que tentei ler, a não ser a Bíblia que é mais fácil, porque já conheço o texto em francês (e brasileiro…). Tive a alegria de entender mais ou menos o sentido das palavras e vi que a cada etapa, o jovem se comprometia em meditar o Evangelho regularmente. Pois, nenhum tem Evangelho, não foi meditado no congresso e não se reúnem equipes…

Prometi não mais fazer propostas ou reflexões porque me parecia que não podia ser acolhido e que não sabia fazê-lo de maneira que pudesse ser recebido. Mas, no sábado a noite, não consegui me calar e propus à Irmã Emilienne, para o ano seguinte, dividir o grupo de 250 em grupos de 50, e esses grupos em equipes de 12. Cada equipe prepararia uma encenação de um trecho do Evangelho a apresentar depois no grupo de 50 para cada equipe poder se expressar, que haja uma dimensão recreativa e criativa, que os jovens não fiquem sempre escutando ou repetindo a palavra do adulto, que eles escolham “palavras de vida” e que sejam ajudados a achar luzes para a vida deles neste evangelho.

Sugiro que, nas comunidades de base, façam também equipes de 12 acompanhadas por um mais velho, encontrando-se a cada domingo antes da oração da comunidade, preparando encenação, escolhendo “palavras da vida” e buscando luzes.

Irmã Emilienne se interessou muito e já avisou as equipes na missa de Pentecoste dessa possibilidade.

5. Terça-feira 14 e quarta-feira 15 de junho: visita nas comunidades de Tomboarivo e realização de uma encenação do Evangelho

Na terça-feira de Pentecoste, cheio da alegria após a partilha com Wilson (acima), fomos a pé separadamente visitar comunidades. Quando cheguei ao Centro de Tomboarivo, não encontrei a pessoa que devia me guiar para a primeira comunidade há uns 10 quilômetros de distância, mas fui sozinho e consegui achar as boas veredas. Encontrei uma jovem com 13 anos e verifiquei que não me enganava de vereda. Ela confirmou o meu caminho e correu à casa dela para avisar aos pais antes de voltar correndo para propor de me guiar. Ficavam a uns 7 quilômetros. Não aceitei, mas fiquei maravilhado com a atenção dela.

Durante a missa, perguntei se havia crianças desta comunidade que foram ao Congresso do F.E.T. Ninguém. Quem é membro do F.E.T.? 50 dedos levantados. Lancei o grito do F.E.T. “Irak’i Kristy” (enviados por Cristo). Todos de pé respondendo “Idreto zahay” (aqui estamos). Quem se reuniu na comunidade durante o ano? Ninguém. Convidei as crianças a ficar após a missa com alguns adultos e apresentei a nova proposta.

Depois da missa e do almoço na comunidade, danças das crianças para homenagear o padre, o catequista, os professores, neste dia de “festa do dízimo” que se recolhe uma vez por ano aqui. Quando acabou, uma senhora me pediu para iniciar já os encontros com o F.E.T., aproveitando que ficava para dormir nesta comunidade. 50 crianças apresentaram-se e fizemos 3 equipes. Li 4 vezes o evangelho de Bartimeu e cada equipe preparou a encenação. O resultado foi pobrezinho porque muito poucos sabem ler, nunca tinham feito nem visto, têm medo de falar, mas ficaram muito felizes. Depois nos sentamos todos e perguntei as “palavras de vida” e perguntei:

–     Dentro do seu patrimônio, hà “Bartimeu”, pessoas a beira do caminho, exluidos?

–     Não há!

–     Todos vão para a escola?

–     Não! (não fiquei surpreendido pois a pesquisa mostrava mais de 50 % das crianças que não vão à escola nesses lugares)

–     Todos conhecem a alegria de vir à Igreja e poder rezar juntos, conhecer Jesus?

–     Não.

Depois convidei os adultos que não regressaram para casas distantes e que quiserem ler os Atos dos Apóstolos, como fazia em Dores. Foram uns 20 adultos e 20 crianças que se apresentaram às 17h. Estou certo que já tinha lido o capítulo 1 com eles, mas não se lembravam e fizemos de novo. Quando a escuridão não deu mais para poder ler, provoquei uma reflexão sobre o álcool (ver mais adiante).

No dia seguinte, voltando da segunda comunidade, tendo andado a pé uns 25 quilômetros, encontrei o Mpiadidy de Tomboarivo e propus animar o retiro das crianças da primeira comunhão que iam chegar com este método de encenação. Ficaram imediatamente entusiasmados e continuamos sonhando que, quando visitar as comunidades, cada equipe de crianças e jovens apresentem o caderno da equipe deles, a encenação deles dentro da missa. Quando as equipes estiverem mais a vontade, irão apresentar a encenação nos lugarejos, tocando à porta de cada casa, convidando as pessoas para uma encenação ao ar livre, e convidando as pessoas a virem participar da celebração ou da missa da comunidade marcando a data da próxima.

Quando Pe Wilson regressou da sua missão, José Antônio, o mpiadidy, comunicou-lhe o seu entusiasmo e Pe Wilson pediu para proceder deste jeito no retiro da primeira comunhão que ele devia animar em Isaka.

Problema: não tinha o notebook porque não pensava precisar dele nem poder utiliza-lo porque devia permanecer só um dia em Isaka onde instalei energia solar. Tive de trabalhar parte da noite e todo o dia seguinte para redigir textos a ser encenados sobre cada evangelho, para jovens do colégio e fazer “Xerox” para que cada uma das 30 equipes de Tomboarivo(110 crianças) e Isaka (150 crianças) tivessem o texto.

6. 16 ao 19 de junho: Retiro da Primeira Comunhão em Tomboarivo e Isaka

6.1 sexta-feira 17 de junho: dia de reflexão sobre a Eucarístia

Na quinta-feira à noite, chegaram 120 crianças e 10 adultos em Tomboarivo. Andaram até 3 horas para chegar aqui. Depois do jantar, com Jose Antônio, apresentamos aos catequistas e professores da escola católica o metódo. 8 aceitaram acompanhar a equipe. Chamei a atenção sobre a maneira de conseguir disciplina para que tornasse presente o amor de Cristo e que não acontecesse o que vi em Ikalalao e que me entristeceu. O cronogramo previsto foi o seguinte:

5h45- Sino e oração pessoal antes de se levantar

6h00- Ginástica coletiva e ida ao rio para lavar-se

7h00- Oração da manhã na igreja

7h20- Café da manhã

8h00- Formação de 8 equipes

8h15- Preparação da encenação pelas equipes

  • 2 equipes com a chamada dos discípulos no evangelho de São João
  • 2 equipes para o lava-pés
  • 2 equipes para a Ceia do Senhor no evangelho de São Mateus
  • 2 equipes para o evangelho de Jesus em Getsemani.

9h00 -Encenação dos grupos de 2 equipes que prepararam o mesmo evangelho, partilha das “palavras de vida”, busca de “luzes para entender o que é comungar” neste evangelho.

9h30- recreio

10h00- No plenário, durante a missa na igreja, apresentação das encenações, das “palavras de vida” e das luzes.

12h00- Almoço

13h30- Plenário com conferência, ensaio dos cânticos, das danças

16h00- terço

17h00- oração das vésperas e conferência

18h00- jantar

19h00- Descanso da noite

Era o que planejamos…

Na realidade, o café da manhã atrasou e, às 8h30, havia só 4 catequistas que chegaram, um deles não tinha mais voz. Tivemos de formar 5 equipes e Jose Antônio animou uma delas enquanto eu animava o grupo dos adultos.

Nem os catequistas, nem as crianças tinham feito ou visto encenações do Evangelho, e muitos tinham grandes dificuldades para ler. Já têm 12 anos ou mais, mas metade delas não sabem nem ler, nem escrever e todos tinham medo. Ia de equipe em equipe para ajudar, aconselhar. Chegou um catequista, mas embriagado e ficou assim durante todo o retiro.

Como falo um “malagasy” perfeito, os meus conselhos pareciam mais complicar do que ajudar, porque as pessoas não entendiam as minhas palavras. Tive de modificar várias vezes os horários e, por fim, dei o sinal do recreio. Tive a impressão de que não havia nada pronto. Tive medo quando pensei no que devia estar acontecendo em Isaka com Pe Wilson, mas não pensei mais. Tinha de não me deixar invadir pelo medo e acreditar que algo ia surgir dali. Às 10h30, iniciamos a eucaristia na igreja e quando começou a liturgia da Palavra, chamei as equipes que prepararam a chamada dos discípulos. Ninguém, porque os catequistas que se comprometeram por este evangelho não apareceram. Depois chegou a equipe que preparou o Evangelho do lava-pés com um jovem professor João Didier. Surpresa: foi muito bom. As outras equipes ficaram fracas, mas dava para reconhecer e houve uma equipe que mostrou o caminho.

Após cada encenação, partilhamos as “palavras de vida” e começaram a entender o que era. Fazia uma homilia partilhando “luzes” a partir deste evangelho com o meu excelente “malagasy” e Jose Antônio dizia de novo o que tentei dizer com uma paixão e um maravilhoso dom para comunicar o Evangelho às crianças. Fiquei muito feliz em animar com ele.

Ao meio dia, o almoço não estava pronto porque a carne atrasou e os responsáveis da cozinha avisaram que não estaria pronto antes das 13h30. Não há sombra no lugar e faz um calor de uns 30 graus. João Didier anima jogos. Nenhuma das crianças se aborrece. Como não entendo bem das indicações de João Didier, logo fiquei no centro com um castigo: tive de dançar para grande alegria das crianças.

Após uma conferencia de Jose Antônio, às 16h, fomos rezar o terço andando para cima do monte onde há uma imagem da Virgem Maria. O espetáculo é maravilhoso: fila com 120 jovens e adultos com roupa de cores vivas no meio de ervas amarelas ao por do sol; mais abaixo, a igreja, os arrozais em terraços, o rio Matsiatra com as curvas e as cachoeiras, os montes na outra margem; o som dos cânticos, das orações, o empenho na oração das crianças, os sorrisos deles.

Quando fizemos a avaliação com os catequistas à noite, perguntei o que pensaram do dia. Todos responderam uns após os outros, só que não entendi nada das respostas deles… Um professor que fala bem francês me disse que estavam entusiasmados com este método, mas que lamentaram o fato de não ter chegado na hora pela manhã. Falei do catequista embriagado e fiz a intervenção habitual (ver a seguir).

21h: Vou com pressa para Isaka recuperar as cópias dos trechos do Evangelho preparadas para os alunos do colégio para o sábado. Pe Wilson e os catequistas ainda estão na reunião de avaliação. Estão encantados, mesmo que o início tenha sido difícil.

5.2 Sábado 18 de junho: dia do sacramento da reconciliação

 Foi-me pedido, além da animação do retiro, para celebrar 25 casamentos na missa do retiro… Pedi para celebrar duas missas e separar a missa do retiro da missa dos casamentos.

Logo após a Páscoa, nesta mesma igreja, cujo tamanho é menor do que o da igreja de Dores, celebrei 173 batismos de bebê, crianças, jovens e alguns adultos na missa do domingo. Só os batizados, os pais e padrinhos conseguiram entrar na igreja de onde todos os bancos foram retirados para ter mais espaço. Os outros, 3 vezes mais pessoas de fora do que dentro, seguiram, rezaram, cantaram fora, apesar da ausência de sono.

A programação do dia era o seguinte:

5h45-Oração e levantar

6h00-ginástica e lavar-se no rio distante a um quilômetro

7h00- oração da manhã na igreja e café da manhã

8h00- trabalho em 5 equipes (porque não chegaram os outros catequistas) enquanto Jose Antônio acolhia os 25 “noivos” e 25 “noivas” (pessoas já vivendo juntos e tendo muitas crianças) para verificar os documentos e preencher os registros

  • 2 equipes para o evangelho de Zaqueu
  • 1 para o evangelho da mulher adúltera
  • 1 para a parábola do fariseu e do publicano
  • 1 para a parábola do filho pródigo

9h00- apresentação na igreja das encenações e partilha das “palavras de vida” e das “luzes”.

9h30- recreio

10h00- repetição da celebração na mata enquanto iria confessar os 50 noivos

11h- terço com os comungandos enquanto celebrava os 25 casamentos

12h-Almoço

13h30- Carta a Jesus e confissão

16h00- Missa com nova apresentação das encenações

18h00- jantar e descanso a seguir.

De novo, a realização foi “um pouco” diferente…

Durante a preparação das encenações, ia de equipe em equipe para ajudar. Sugeri à equipe do evangelho da Mulher adúltera que os fariseus tenham uma pedra na mão que deixariam cair após a palavra de Jesus: “Que o que não pecou atire a primeira pedra”. Quando voltei nesta equipe vi que não tinham entendido. Nenhum das crianças que faziam os fariseus tinham pedra na mão, mas, depois que Jesus falou, voou uma pedra na direção da mulher. Quem atirou? Jesus… Pois bem até aqui, não tinha pecado. Tentei explicar de novo, mas, na missa, em vez de deixar as pedras cair no chão, os fariseus apedrejaram a mulher… (sem atingir!)

Às 9h, o Mpiadidy, Jose Antônio, disse-me que não conseguia resolver os documentos dos casamentos, que há só 4 dos 25 que estavam prontos. Às 10, confesso os casais. Às 10h45, ele me avisa que não conseguiu e que as pessoas foram a pé para Isaka (10 quilômetros) para tentar resolver com Pe Wilson. Chamamos os comungandos que já iam iniciar o terço e invertemos. Às 11h celebrei a missa do retiro com as encenações. A igreja estava lotada porque as pessoas que vieram para os casamentos participaram. As encenações foram maravilhosas. Toda as pessoas olhavam, escutavam. As crianças partilhavam sem problemas as “palavras de vida” tal como “Zaqueu, desce depressa, preciso hoje de demorar na tua casa”. Zaqueu subia na árvore (cadeira), uma criança agarrava um outro para “matar o bezerro”.

13h30… A gente ainda estava almoçando. 14h: pedi para que cada catequista entrasse com a equipe que acompanhava e ajudasse as crianças na redação de uma “carta a Jesus” na qual cada criança que conseguia escrever copiar uma “palavra de vida” e escrevesse porque deseja receber Cristo, que os outros fizessem desenho. Quando cheguei todas as crianças estavam misturadas. O pessoal que vinha para o casamento com muitos bebes e criancinhas estavam juntos. Ninguém entendia as minhas indicações… Por fim conseguimos e concluí as confissões às 15h55.

16h: celebrei 13 dos 25 casamentos porque os outros não estavam prontos. Ficaram para os dias a seguir. Celebrei também batismos de pessoas que iam casar ou das crianças deles. Não tive tempo para ler o ritual antes nem preparar a homilia. Às vezes, as pessoas iam rindo por causa do sotaque mas como muito respeito e me ajudando corrigir. Jose Antônio completava, ajudava.

Às 18h, acabou a missa, mas tive de ir para Isaka porque não havia mais madeira para aquecer a comida… Achei o Pe Wilson e os catequistas ainda muito felizes.

Durante o retiro, pedi para comer com as pessoas o que não é o costume daqui. Eles preparam uma refeição diferente para o padre que come separadamente da gente em todos os encontros, o que não consigo entender. Grande alegria para mim de jantar sentado na poeira com as pessoas, mais próximo deles graças ao trabalho de encenação do evangelho. O ar está frio: sobe até 30 graus no meio dia, cai para 3 graus no fim da noite. Uma criança com 2 anos está sem roupa, comendo o arroz, sem reclamar. A noite com estrelas, a lua, o rosto das mulheres que prepararam a comida iluminado pela luz da fogueira, o ruído do rio e das cachoeiras, os cânticos que surgem de vez em quando, o jovem que vê que não tenho nada para beber e que me oferece a água que serviu para o cozimento do arroz, tudo me torna muito feliz apesar das pulgas e das pernilongos. Descobri especie de pulga que instala os seus ovos dentro da pele provocando abcesso e muitas vezes febre. Por sorte, não tive.

A estação seca já começou e, com ela, os incêndios provocados da mata, costume ancestral para limpar o terreno e fazer surgir uma pequenina erva terna que ilumina o horizonte. Seria belíssimo se não significasse a morte de Madagascar porque queima as àrvores, a vegetação, os animais diversos que contribuem em tornar fértil o terreno, favorece a erosão, o desaparecimento das nascentes e Madagascar está se tornando pouco a pouco uma rocha estéril, tal como Haïti. Mesmo as árvores que não foram atingidas pelas chamas são destruídas pela fumaça.

Durante o encontro de avaliação do dia, neste sábado à noite, cada um diz da alegria que tem em trabalhar deste jeito e digo de novo o objetivo para os dias após o retiro:

–     constituir equipes pequenas em todas as comunidades,

–     pedir às equipes para preparar encenações do Evangelho,

–     fazer um caderno por equipe, escrevendo as palavras de vida, as ações realizadas,

–     apresentar as encenações na missa quando vem o padre,

–     ir aos lugarejos, visitar cada casa, chamar a gente para a encenação no ar livre, utilizando os porcos do lugar quando apresentam a parábola do filho pródigo,

–     ajudar a gente em refletir a vida deles a partir do evangelho.

Por exemplo: o que fez o filho pródigo se encontrar na pobreza? Viveu pelo imediato, decidiu viver o dom da vida sem mais viver em comunhão com o Pai do céu, bebeu. E nós, o que nos torna pobre? Quando pensamos só no imediato, quando não enviamos as crianças para a escola, que incendiamos a mata; quando vivemos sem estar em comunhão com Cristo, sem rezar, escutar a Palavra dele; quando bebemos o “taoka malagasy” (o álcool daqui).

Digo de novo o objetivo: ajudar as crianças e os jovens a crescer em humanidade, aprendendo a ler, escrever, ter opinião pessoal na escolha da palavra de vida e no comentário dela, ser criativo na encenação, conseguir se exprimir diante dos outros, se organizar, tomar responsabilidades; crescer no nível da fé, acolhendo o evangelho como o centro da vida da fé que ilumina toda a vida, se deixando formar por ele como discípulo e apóstolo; dar aos catequistas oportunidade de seguir o mesmo caminho, de encontrar um outro tipo de relação com as crianças e os jovens, saber servir e reconhecer a ação do Espírito Santo no coração dos jovens.

Como dizia aos catequistas que este método ia formar as crianças, um deles disse imediatamente: “Mas vai nos formar antes”. Se conseguirmos caminhar, formará jovens, animadores, e renovará as comunidades que, pelo momento, não têm acesso ao Evangelho e muitos não vão à comunidade. Tudo isso acontecerá sem ter de pedir dinheiro fora, mas a partir das riquezas no coração da gente quando se abre à Palavra de Deus.

A cada dia estou mais convencido que o povo de Madagascar não precisa de doações em dinheiro que têm efeitos segundários péssimos (corrupção, convicção que a vida chega da fora), mas que precisa de ser ajudado a recuperar a confiança nele, a achar no Evangelho e neste tipo de método educativo que deve estar próximo das intuições de Paulo Freire, se não me engano, um caminho para se levantar.

No momento, é sonho, e é longo o caminho do sonho para a realidade! Pois bem, nestes dias, a realidade ultrapassou bem o sonho, porque não sonhava mais em poder propor algo na maneira de acompanhar a gente aqui. Já é imensa alegria para mim ter perspetivas para evangelizar e evangelizar toda a vida, não só fazer surgir definições de catequese, fazê-lo tornando as crianças e os animadores atores, oferecendo-lhes crescer humanamente e na relação pessoal com Cristo.

Às 19h30, tenho a curiosidade de ir ver a arrumação das pessoas para dormir. Subi uma escada e entrei por uma porta de 1m20 de altura e 0m75 de largura numa sala de 6 metros x 6 metros. Havia lá mais de 60 pessoas na palha, adultos, homens e mulheres, bebê, crianças, jovens. Todos não podiam se deitar e os adultos ficavam sentados. Havia uma lanterna funcionando com petróleo suspensa na parede a pouca distância do telhado de colmo com numerosas teias de aranha que poderiam conduzir a chama ao telhado. Uma porta do mesmo tamanho dava acesso a uma outra sala idêntica. O assoalho tremia quando entrei sozinho num outro dia e nada garantia que podia sustentar o peso de tantas pessoas. Neste dia, não rompeu. Faltava ar. Estamos bem distante das normas de segurança da Europa. Ninguém reclama. Todos sorriem. Às 20h, silêncio completo. Às 20h30, as pessoas não conseguem dormir nessas condições e começam a cantar cânticos religiosos polofonicos extraordinários até às 23h30 sem parar.

Às 3h30 da manhã, um bebê chora e grita. Outro lhe responde. Uns após os outros, as pessoas vão urinar e, às 4h da manhã todos estão de pé, sorrindo, conversando, cantando.

Nunca vi arruaça entre crianças aqui, enquanto nos 4 centros, a casa do padre está junto com a escola e que olhamos os recreios das crianças.

6.3 Domingo 19 de junho: primeira comunhão

A igreja está lotada e muita gente ficou fora. Muitos andaram duas ou três horas a pé para chegar. Trocamos o evangelho do domingo e uma equipe encena o evangelho de Zaqueu. Todos acomodam as crianças e os que podem olham pelas janelas. É tão parecido às narrações do Evangelho que me surprendo olhando para o telhado, mas ninguém tentou entrar por là… É necessário lhes dizer a alegria no meu coração? Não tem igual a não ser a das crianças, dos catequistas, da gente, e daquela que tinha no meio de vocês nas comunidades de Dores ou de Guaçui.

Domingo a tarde, parte da noite e segunda-feira de manhã, tive de trabalhar correndo para preparar os textos dos evangelhos escolhidos pelos retiros da crisma que iam começar com o mesmo esquema de animação nos 4 centros da paróquia.

7. Da segunda-feira 20 à quarta-feira 22 de junho: visitas de comunidades ligadas ao centro de Tomboarivo / O problema do álcool

7.1 segunda-feira 20 de junho

Na segunda-feira a tarde, andei a pé com dois jovens para ajudar a levar as mochilas. Aceito não carregar nada nesta vez, porque, de noite, caí de um andar numa escada da casa de Isaka. Nada quebrado a não ser o último degrau, mas reativou as dores da queda de bicicleta de fevereiro.

Andamos duas horas nos caminhos atravessando arrozais, rios seja entrando na água, seja andando de uma pedra para outra, seja em equilíbrio sobre um tronco de árvore; em outros lugares, a vereda esconde as suas armadilhas embaixo das ervas. Atravessamos pastos, passamos cumes com rochas. Não me canso dessas paisagens e assim chegamos à primeira comunidade. Crianças vieram ao nosso encontro cantando um hino muito bonito criado pelos seminaristas em vista das Jornadas Mundiais da Juventude de Madrid na língua local Betsileo. Estarão dois da diocese em Madrid, mas milhares que se reuniram primeiro no nível das paróquias, segundo dos regionais, terceiro da diocese. Entramos cantando e dançando no lugarejo.

Com o catequista, chamamos as crianças para preparar a encenação do Evangelho de Zaqueu para a missa do dia seguinte. Difícil no início, mas as crianças pediram para decorar o texto à noite. Consegui convencer o catequista para me acolher como se fosse membro da família, não sentando à mesa com o catequista e sem o resto da família presente, mas sentado no chão e partilhando a refeição com toda a família, rezando a oração da noite com eles.

7.2 terça-feira 21 de junho

Às 6h da manhã, 15 crianças entram na sala onde comemos e dormimos e apresentam a encenação do Evangelho de Zaqueu. Maravilhoso.

Às 8h, andamos para a igrejinha, um quilômetro mais adiante. Antes de sair, me despeço de famílias protestantes (80 % deste lugarejo) muito simpáticas, respeitosas e abertas, nada a ver com as seitas pentecostais que se encontram aqui também, mas não tão numerosas como no Brasil. Expliquei o projeto de fazer equipes encenando o evangelho e disse que as crianças seriam bem-vindas nelas, e que não tentaremos afastá-las da Igreja delas, que seria um jeito de rezar juntos e viver o ecumenismo.

Quando cheguei à igreja, no meio do pasto, com 3 lugarejos pequeninos não muito distantes, como não havia ninguém que já tivesse chegado, fui visitar um primeiro, e depois outro. As crianças começaram a me seguir. Cumprimentei as pessoas de casa em casa, convidei para a missa. As crianças me acompanharam e cantaram e dançaram no regresso para a igreja. Na missa apresentaram o Evangelho de Zaqueu, celebrei 2 dos 12 casamentos que não pude celebrar no sábado precedente. Celebrei 4 batismos e dei o sacramento dos doentes a 3 pessoas.

Depois do almoço, neste tempo de festa do dízimo, de novo homenagem ao padre, pelo Mpiaidy (Catequista responsável dos catequistas das comunidades ligadas a um dos 4 centros da paróquia). Logo depois saimos para andar duas horas na montanha até a comunidade seguinte.

Era a comunidade do João Marcelo, o catequista que ficou embriagado durante todo o retiro da primeira comunhão. Peço para me encontrar sozinho com ele e a esposa, assim como o Mpiadidy e faço a intervenção como muitas vezes desde que cheguei aqui, seja com pessoas em particular, seja com grupos (como no encontro de avaliação com os catequistas no retiro) seja nas homilias com o esquema seguinte

–     Jesus ama a pessoa doente do álcool, ama-a de um amor preferencial porque veio para os que sofrem, pelos pecadores e pelos doentes, e é a primeira razão da minha fala com você: dizer –lhe de maneira forte do amor de Cristo para com você, que você não desanime com a sua situação.

–     Digo de novo o meu compromisso desde 25 anos numa associação de solidariedade com as pessoas doentes do álcool e o porquê.

–     Explico que o alcoolismo é com certeza por parte um pecado, mas também é muitas vezes antes de tudo uma doença.

–     Explico o que é a doença do álcool, o processo da dependência, há pessoas que se encontram doentes antes de nascer, a dificuldade para se libertar, o único caminho de salvação que é a abstinência total, a necessidade de pedir ajuda, de constituir equipes.

–     Conto a história do Elielton, responsável de comunidade e Ministro da Palavra em Dores (cf. Blog)

–     Falo da equipe “padres zero álcool” que foi fundada em Fianarantsoa no dia 7 de setembro de 2010. São 5 na equipe agora. O quinto padre, ordenado há menos de um ano, se juntou a nós um mês atrás. Conto o que eles dizem de como começaram a beber, das consequências para eles, da dificuldade para parar no início, dos incentivos que recebem vindo da família, de outros padres, para beber ainda um pouco porque algumas pessoas pensam que “aquele que não bebe mais vai se tornar mais doente do que aquele que bebe”.

–     Falo da equipe que iniciou-se em Isaka com um catequista e a esposa dele, ambos doentes do álcool, depois das homilias que fiz em todas as comunidades após a morte da Sra Adelina e dos outros seis mortos num mês no centro de Isaka. A cada vez perguntava: quantos mortos foram necessários para nós acordarmos, para nós abrirmos os olhos, os ouvidos, o coração? Quem aceitaria se levantar e se tornar profeta, se tornar alguém que não bebe mesmo que não seja doente para apoiar outras pessoas?

–     Falo das visitas que o Sr Prosper, catequista, faz todas as semanas à família da Sra Adelina. Iniciamos logo após a Páscoa para tentar ajudar os outros membros da família a se decidir em deixar o álcool. Pelo momento, o resultado visível é um laço fraterno com eles e o fato que os mais velhos dos 7 filhos dela parecem ter ouvido o chamado para que a morte da mãe deles possa conduzir à vida outras pessoas. Dizem que decidiram nunca começar a beber. Começaram a participar da igreja, iniciaram um “caderno de palavras de vida” com o Novo Testamento, o caderno e as canetas que lhes oferecemos. Pelo contrário, o resto da família que dizia querer deixar a bebida no momento da nossa primeira visita, não conseguiu e, quando fui visita-los no dia 26 de junho, dia da festa nacional, não fui até a casa deles porque encontrei dois membros da família já bem embriagados, o que não dava para partilhar.

–     Chamo atenção com o jeito de ajudar sem utilizar palavras fortes ou que humilham e que provocam angústia para aquele que é doente, ao ponto dele beber ainda mais; chamo para uma pedagogia do “levantamento” quando o outro caiu de novo: “levanta-te, não tenhas medo, vai conseguir, estamos contigo, isso faz parte do caminho de cair de novo”.

–     Assim como na Pastoral da Sobriedade no Brasil, chamo para rezar com a comunidade, para ler o Evangelho. Para com os padres da equipe “padres zero álcool”, digo que lutar “CONTRA” o álcool è necessário, mas que o que pode ajudar bastante, é lutar “PARA” se agarrar a Jesus Cristo, e os convido para entrar em associações sacerdotais que possam apoiá-los. Digo que, quando a necessidade de beber se faz forte demais, rezar o terço, copiar trechos do Evangelho e meditá-lo, é caminho para conseguir superar este momento difícil e pensar noutra coisa. Um dos dois fundadores da equipe de padres zero álcool entrou na nossa equipe do Prado onde se encontra com o vigário dele. Agora, eles dois partilham o Evangelho a cada manhã e já são 10 meses que ele não bebem mais.

–     Falo muito, porque quando questiono para a pessoa poder partilhar a sua vida, não entendo as respostas por causa do meu malagasy bem limitado. Mas olho as expressões do rosto dela para ver se as minhas palavras correspondem ao que ela vive e também lembro que o que digo está parecido à experiência dela.

–     Chamo atenção do Catequista João Marcelo, dizendo que se houver um motorista de ônibus doente do álcool, mesmo que o amamos, não lhe confiaríamos a condução do ônibus.

–     Proponho ao João Marcel de pedir ajuda à comunidade, para reunir-se a cada semana, para fazer um calendário anotando os dias em que consegue não beber. Quando pergunto se bebe todos os dias ou se é mais no fim da semana, nas festas, responde que pode passar dez dias sem beber. Logo depois, a mulher dele explica que é todos os dias desde a idade de 14 anos e que, quando está mais embriagado, anda despido pelo lugarejo.

–     Ele aceita que eu fale durante a missa da comunidade e também receber o sacramento dos enfermos. Aceita mostrar o calendário dele quando visitaremos a comunidade e chamo-o para não ter medo de dizer “bebi” e não mentir, porque, se mentir, mentirá primeiro para ele e não conseguirá libertar-se.

Durante a noite, ouço um grito: “Monpera! Monpera!” (Padre) É um jovem que está embriagado.

7.3 Quarta-feira 22 de junho

Enquanto confesso as pessoas antes da missa da comunidade, o Mpiadidy ajuda as crianças na preparação da encenação do evangelho de Zaqueu que eles fazem durante a missa. Peço as “palavras de vida”, o que eles conseguem muito bem, e peço as “luzes para a nossa vida cristã”, o que eles não conseguem. Partilho o que achei:

–     Ser cristão, é querer ver Jesus, como Zaqueu.

–     Antes de nós querermos ver Jesus, é Ele que nos busca e quer entrar na nossa casa, na nossa vida, no nosso coração.

–     Para recebê-lo, é preciso descer com pressa, se abaixar, se tornar servidor, como Jesus no lava-pé, reconhecer-se pequenino.

–     Mesmo os fariseus não concordando, Jesus não tem medo de entrar na casa dos publicanos e dos pecadores. Veio para os doentes e os pecadores.

–     Quando se encontra Jesus de verdade, a vida muda: partilhamos com os outros, tal como o que vocês vivem nesta festa do “Vokatra” (dizimo) partilhando as suas riquezas para que o evangelho possa ser anunciado.

–     Hoje, há muitas casas onde Jesus quer entrar e espera nós nos tornarmos instrumentos para Ele poder entrar em cada casa, nós dizermos às pessoas: “Desce depressa, Jesus quer entrar e demorar no teu coração”.

Apoiando-me nesta meditação do Evangelho de Zaqueu, chamo as pessoas para fundar equipes do F.E.T. com as crianças e os jovens e a viver a dinâmica que já apresentei acima e que lhes apresentamos com o Mpiadidy fazendo-os encenar o evangelho de Zaqueu.

Depois, diante de toda a comunidade, fazendo a ligação com Jesus que quer entrar na casa dos pecadores e dos doentes, falo do álcool e da partilha da véspera com o João Marcelo e lhe dou o sacramento dos enfermos. Pergunto à comunidade se aceitam ajudá-lo. Houve uma mulher que falou bastante. Não entendi nada do que ela dizia, mas, depois, o Mpiadidy me disse que comprometeu toda a comunidade. Digo claramente à comunidade que não é garantido que o João Marcelo consiga libertar-se e peço para não condenar nem julgar mas manifestar o amor de Cristo.

Depois do almoço e de novas danças, nos ofereceram presentes de arroz (5 kg) e bananas. Tornou a mochila ainda mais pesada, mas as minhas costelas melhoraram e consegui andar 2 horas com os 20 kilos. Depois, tive de pedir ajuda.

Nos encontrávamos num dos raros lugares onde chega a rede de telefone e ele tocou. Era o Pe Wilson que pedia notícias. Soubemos que andava no cume do outro lado do vale à uns 5 quilômetros em frente. Podíamos nos avistar. Depois de 2 horas, cruzaram as nossas veredas num vale e andamos mais 1h30 juntos, partilhando as alegrias da missão que acabamos, preparando os retiros da crisma que iam chegar.

Ás 17h, chegamos em Tomboarivo. Andamos 3h30 sem comer nem beber com jovens que ajudaram levar o material. Metade deles não aceitou dormir em Tomboarivo e regressaram para as comunidades que visitamos, sem comer. Pe Wilson recebeu várias pessoas que queriam casar até a noite. Fui preparar os textos da Palavra de Deus para as encenações do retiro da crisma.

8. Retiro da crisma em Isaka e Tomboarivo (quinta-feira 23 ao sábado 25 de junho)

Desta vez, Pe Wilson fica em Tomboarivo e acompanho o retiro de Isaka. Irmã Emilienne e irmã Jeanne d’Arc acabaram o capítulo da congregação delas e se juntam a nós. 4 seminaristas que iniciavam as ferias chegaram também. Será oportunidade de partilha forte com eles muito interessados pelo jeito de animar o retiro. Nos ajudaram bastante. Os trechos da Palavra de Deus escolhidos foram os seguintes:

–     Maria, Isabel e o Espírito Santo

  • Anunciação (equipe 1)
  • Visitação (equipe 2)

      Como são 12 jovens e há só 2 papeis, os outros encenam a vida da aldeia de Nazaré e da aldeia de Isabel. Quando começa a encenação, uma jovem se fez professora, outros, alunos; 3 meninas esmagam o arroz, uma delas colocou a criancinha de uma catequista carregada às costelas; rapazes fazem os carpinteiros; Maria está cozinhando. Foram pedir material nas casas das pessoas.

      Na encenação da visitação, quando chega Maria na casa de Isabel, se cumprimentam no jeito das pessoas de Madagascar antes de iniciar o texto do Evangelho e de entoar o Magnificat, dançando.

–     Jesus e o Espírito Santo

  • O batismo com João Batista e a tentação no deserto (equipe 3). O demônio está com uma máscara feita com caixote de embalagem com cornos. Por acaso, se vê sobre os cornos essas inscrições: “Handle with care” (mover com prudência). De fato, tem de mover o demônio com prudência!
  • Jesus na sinagoga de Nazaré (equipe 4)

–     Os apóstolos e o Espírito Santo

  • A ascensão (equipe 1, Atos dos Apóstolos 1)
  • O Pentecoste (equipe 2, Atos dos Apóstolos 2)

      Enquanto os apóstolos e Maria estão rezando em frente do altar e cantam hino ao Espírito Santo, de repente jovens fazem barulho do vento, rufo de tambor e colocam velas acima da cabeça dos apóstolos e de Maria. Menina da equipe que ficou na assembleia levanta-se e questiona: “Como é que nós que vimos de vários países os entendemos na nossa própria língua?”; menino também na assembleia levanta-se e diz: “Estão embriagados!” E Pedro, jovem que tinha grandes dificuldades para ler mas conseguiu, faz discurso (que relacionamos bastante com o texto dos Atos): Não estamos embriagados! É o que o profeta Joel profetizou que está acontecendo.” Segue a citação de Joël por voz off e Pedro continua: “Esse Jesus que vocês crucificaram, Deus o ressuscitou e somos testemunhas.” Levantam-se de novo o menino e a menina que ficaram na assembleia, com o coração transtornado pelas palavras de Pedro e dizem: “O que temos de fazer?” E Pedro diz: “Converta-se, receba o batismo e não viva mais segundo o espírito do mundo. Aproximam-se os jovens e recebem o batismo.

Fiquei maravilhado com a atenção dos jovens, a capacidade deles para partilhar as palavras de vida, a atenção deles durante a homilia. Encenaram no fim da manhã e de novo durante a missa da tarde. Durante esta missa, propus aos jovens em expressar intenções de oração espontâneas e conseguiram. Ajudou muito a encenação da manhã nisso. Nesta oração universal, o Sr João Miguel, professor, rezou para Babona Martina, aluna do colégio de Isaka, moradora da comunidade do João Marcelo. Avisou que foi morta neste dia por um jovem que queria beijá-la e ela não aceitou. Já tentara outras vezes antes.

9. Domingo 26 de junho, festa nacional malagasy, 51° aniversário da independência.

No sábado, houve um jogo de basquete entre as esposas dos policiais e equipe de mulheres da sociedade civil. Houve competição de bicicleta entre Isaka e Sahave, patrimônio perto do qual sofri o desastre no mês de fevereiro. Não me inscrevi…

No domingo de manhã, desfilo, fui convidado no palanque e tive de fazer um “kabary”, discurso. Depois de dizer da minha alegria em estar com eles, disse ser impossivel para mim esquecer a história de Madagascar, os acontecimentos do ano de 1947 e todos os outros acontecimentos ruins ligados à colonização, e pedi perdão. Tocou o coração da gente e aplaudiram com força. Depois dirigi a palavra às pessoas de outras religiões para dizer da alegria de estar aqui com eles e que, a cada vez que rezamos, o fazemos em comunhão com elas. O ambiente da festa foi muito fraterno e simples.

Durante este fim da semana, redigi esta narração porque sentia a necessidade de escrever os acontecimentos dos últimos dias para meditar, discernir, dar graças a Deus. Não vivo sempre neste ritmo acelerado e, mesmo nesses dias, pelo fato de não termos energia, as noites são grandes e me deito às 20h para me levantar às 6h porque é difícil fazer algo quando não se consegue enxergar. O tempo andando de comunidade em comunidade é também tempo de descanso e de oração.

Retiro da crisma em Befeta e Ikalalao (segunda-feira 27 à quarta-feira 29 de junho)

Os retiros ocorreram seguindo o mesmo esquema. Em Befeta, faltavam panelas e o jantar previsto para as 18h chegou às 21h30. Vi que os malagasienses não eram extra terrestres como começava a pensar, porque houve uma menina que teve hipoglicemia depois das 3 horas andando a pé e das horas sem comer. Na terça-feira de manhã, tivemos que iniciar a preparação das encenações sem esperar o café da manhã que chegou bem mais tarde. Como em Tomboarivo, metade dos catequistas e professores que prometeram estar là às 8h da manhã para acompanhar as equipes não chegaram e tivemos de fazer equipes maiores.

Em Befeta, foram 223 crismandos (42 adultos e 181 jovens) e confessei durante 4 horas, das 12h às 16h, parando 5 minutos para almoçar. Em Ikalalao, Pe Wilson teve que acompanhar um grupo de 383 crismandos. Em todos os centros, mesma alegria dos jovens e dos catequistas.

11. Crisma e visita pastoral do bispo na quinta-feira 30 de junho em Isaka, sexta-feira 1° de julho em Tomboarivo, no sábado 2 em Ikalalao e no domingo 3 em Befeta

Pe Gervais, vigário geral da diocese e responsável nacional do Prado substituiu ao bispo em Isaka e Tomboarivo. Dom Fulgence estava presente no sábado e domingo em Ikalalao e Befeta.

Há muitas coisas que são estranhas para mim que sou francês, por causa das nossas culturas diferentes. Pouco a pouco, aprendo a entender, amar esta cultura, ter mais consciência também das riquezas e dos limites da minha cultura, da tradição da Igreja da França.

     O que não entendo, é o lugar dado aos padres e ao bispo e a preocupação tão forte de a- parecer. Fazem dos padres e do bispo autoridades, senhores segundo o espírito do mundo e não servidores no jeito de Jesus lavando os pés dos discípulos. Porque o bispo devia chegar, foi pedido para renovar a tinta da casa paroquial. Ao mesmo tempo, tudo está se destruindo, a chuva está caindo dentro da casa, mas ninguém se preocupa.Não se vê neste período de seca.

O que me feriu mais, foi ver como foi pintada a casa: no último momento, colocando tinta nos moveis, no chão, nos lugares da parede onde não devia ter e deixando espaços sem tinta onde devia ter. Este jeito de trabalhar no último momento, sem se preocupar com a qualidade do trabalho, se vê em tudo, assim como na manutenção da única estrada que conduz do norte de Madagascar para todo a parte sul.

Sofro também quando ouço as homilias nas quais o Evangelho está quase ausente e que se tornam interrogações de catequese: dizem os dez mandamentos? Os sete dons do Espírito Santo? Sonho com um enriquecimento mutuo entre as nossas tradições eclesiais: que, na França, cresçamos no conhecimento da doutrina e que, em Madagascar, a meditação do Evangelho se torne o centro de toda a vida cristã e não fique ausente.

As celebrações demoram muito mas, tocado pela oração, pelos cânticos, não vi o tempo correr em Befeta onde demorou 6 horas e fiquei tão feliz em rezar com Pe Wilson, com Dom Fulgence Rabemahafaly e o povo reunido aqui, esses jovens com quem vivenciamos este retiro e que encenaram muito bem a ascenção e o Pentecoste dentro da missa da crisma, bem além do que o que esperava. Tentarei pôr na rede fotos e video quando chegar na França e ter acesso fácil na internet.

Como a celebração pode demorar 6 horas? Começa com o kabary (discurso) de acolhimento. A seguir, o relatório da paróquia, estatísticas (quantos moradores, cristãos batizados, que participam das celebrações, quantas comunidades de base, escolas públicas e católicas), atividades da igreja. Não gosto muito do jeito de fazer, mas o bispo, na sua resposta, aproveita deste momento para fazer uma catequese: por exemplo, chama atenção sobre a diferença entre a quantidade de batizados e dos que participam das celebrações e os chama a se tornarem missionários.

Depois desta primeira hora, chega a liturgia da Palavra com procissão, dança da Bíblia, e, no nosso caso, após as leituras e antes da homilia, a encenação dos Atos. Depois, a homilia que pode demorar até uma hora.

Em Befeta, o bispo começou meditando os Atos cuja encenação acabava de ser feita pelos jovens. Depois evocou a história da Igreja de Madagascar, a chegada dos missionários franceses, fará 140 anos no fim do ano e fez a ligação com a minha presença aqui. Lembrou do papel determinante dos catequistas leigos, de Pedro Ratsimba e da esposa dele. A diocese está pedindo a beatificação deles. Olhando as imagens na igreja, evocou Maria, São Francisco Xavier. Pensando nos jovens, nos acolitos em particular, evocou São Domingo Savio. Depois contou a história de Maria Goretti, martir que não se deixou abusar por rapaz da sua aldeia e fez a ligação com Bahona Martina, morta dez dias antes no mesmo contexto. Foi momento de emoção forte e chamou os jovens para não ter medo de se tornar mártires, testemunhas. Martina participava da vida da igreja. Os pais dela estavam na missa da crisma em Tomboarivo, muito dignos.

Depois, chega o momento da crisma. O bispo não pede ajuda e demorou uma hora em Ikalalao com os 383 crismandos. Depois, são os avisos feitos pelo Mpiadidy que se tornam catequese. Pode demorar 20 minutos. No total, Dom Fulgence crismou 1011 jovens e adultos da paróquia nestes 4 dias. Na diocese, a crisma está proposta a cada dois anos nas paróquias do interior.

Chega a primeira coleta que Dom Fulgence transformou em catequese. Está muito emocionada a multidão que caminhou horas a pé mas não encontra lugar na igreja porque está lotada e todos querem chegar até ao altar, viver uma “peregrinação”. Por isso, ele pede que a coleta se faça só ao pé do altar e que não haja pessoas para coletar fora para diminuir um pouco o tempo. A coleta demorou 30 minutos.

Depois, é a procissão com dança das ofertas. A seguir, a liturgia eucarística, a comunhão, uma segunda coleta. Depois, ele chama casais que fazem jubileu e oferece um diploma falando com cada um. Começa a procissão de ofertas para o bispo (arroz, ovelha, peru) e dançamos com o hino das Jornadas Mundiais da Juventude em língua betsileo. Comecei a dançar, jeito de dizer o quanto amava as pessoas daqui e tocou muito o coração delas. Enfim são novos kabary e a bênção dos que terão provas escolares em breve e dos crismandos e a bênção final.

Em Ikalalao, chegou no último momento o ministro do turismo que se convidou para aparecer no meio de muita gente e se mostrar na igreja. Organizou um show após a celebração com os jornalistas e a multidão que veio para a crisma, fingindo que foi ele que as atraiu. Pediu ao bispo para se tornar presente, mas ele não foi.

Depois da celebração, é o almoço e de novo kabary, discursos onde um pede dinheiro para comprar um sino para a sua igreja, outro bancos, outro telhado. Para eles, tal como os políticos, pensam que o bispo é aquele rico que dá dinheiro. Não têm consciência de que a Igreja são eles que partilham as riquezas deles para anunciar o Evangelho, melhorar a vida.

12. Programa pelos meses que seguem

  • 4 a 10 de julho: 3 dias de encontro com os padres da diocese de Fianarantsoa, 8 dias de pastoral na paróquia de Befeta e numa paróquia vizinha.
  • 18 a 22: preparação dos retiros.
  • 23 a 25: animação do retiro dos padres da Primeira Formação do Prado em Antsirabe, os que querem entrar na Associação dos Padres do Prado.
  • 25 a 29: Encontro nacional do Prado em Antsirabe.
  • 29 e 30: viagem para Diego, ponto mais norte de Madagascar.
  • 31: ordenação presbiteral de Gildain para a diocese de Diego. Formou-se no seminário internacional do Prado em Lyon.
  • 2 a 7 de agosto: animação do retiro dos padres da diocese de Ambanja em Diego
  • 8 a 20 de agosto: na minha família perto de Bordeaux
  • 21 a 26: participação no retiro dos padres do Prado de França
  • 26 de agosto a 2 de setembro: exames médicos por causa do desastre de fevereiro.
  • 2 a 19 de setembro: na minha diocese em Créteil, nos subúrbios de Paris
  • 20: volta para Madagascar.

13. Palavras que ressoam em mim

Depois dos retiros da primeira comunhão e da crisma, ficam ressoando em mim estas palavras:

–     Primeiro, “Zaqueu, desce depressa, preciso hoje de demorar na tua casa”. Já há muito tempo que gosto desta palavra que marcou muitos encontros fortes com a gente (Cf. Livro que escrevi sobre o acompanhamento de pessoas em fim de vida). Aqui, acolho esta palavra de Cristo como uma luz para o encontro do outro que tem outra cultura, como no encontro, somos obrigados a nos simplificar, nos abaixar mutuamente, para que o encontro possa acontecer, que o outro possa entrar e demorar um pouco em mim, que Cristo possa entrar e tornar este encontro fonte de vida. Mesmo que Zaqueu partilhou riquezas, dinheiro, ouço este chamado para “descer” como convite a não chegar com dinheiro se quero que o encontro seja verdadeiro e que ele dê tanto a mim que chega como aos que me acolhem, de poder crescer mutuamente. Acho que é o significado da chamada do Pe Chevrier para iniciar qualquer obra no presépio.

–     Ressoa em mim também essas palavras de Cristo no Monte das Oliveiras, no momento da ascensão: “Ide receber uma força, a do Espírito Santo e sereis as minhas testemunhas em Jerusalem, na Judeia, na Samaria e até às extremidades da Terra.” Dá luz a este mistério da fé que chegou até nós do século XXI, até nós na França, no Brasil, em Madagascar, a partir deste grupo pequenino e fraco em Jerusalem. Dá para entender donde vem a força que animou jovens e adultos que participaram do retiro assim como os catequistas e nos dá uma direção para seguir depois. Indica-nos o que temos de transmitir para que se possa inverter a espiral que está afundando Madagascar.

–     Guardo também este convite de Pedro aos que, profundamente tocados pelas palavras dele quando disse “esse Jesus que vocês crucificaram, Deus o ressuscitou e somos testemunhas”, e que perguntam “Irmão, o que temos de fazer?”: “Converta-se, receba o batismo em nome de Jesus Cristo para o perdão dos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo. Porque é para você a promessa, assim como para as suas crianças e todos os que estão distantes, tão numerosos como o Senhor os queria chamar. (…) Separa-se desta geração corrompida.” Quer dizer, não viva segundo o espírito do mundo, mas segundo o Evangelho para que todos se saibam amados por Deus, que as forças da morte presentes em todos os lugares, em Madagascar em particular, não vençam.

Esperando vocês com saúde, lhes digo da minha amizade, afeição e oração.

Bruno Cadart no dia 4 de julho de 2011

 

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