Nota: peço desculpa pelos erros de língua, mas não consegui em traduzir mais cedo e queria enviar isso antes da missão dos jovens de Dores para os deles que pedem notícias. Como trabalho sem parar a língua malagasy, às vezes, ri em colocar palavras de malagasy sem querer. Outras vezes, enquanto penso falar em malagasy som os colegas daqui, porque me esforcei em não falar francês, realizo, percebendo o assusto deles, que estou falando brasileiro…
Prezados irmãos,
Nos últimos dias, sem falar de todo o trabalho para progredir na língua malagasy, tive encontros fortes e senti a necessidade de escrever para deixar as coisas ressoar em mim. Escrevi em francês com a preocupação de poder partilhar com amigos, familiares, também dar a conhecer a situação deste país que se encontra numa situação política e econômica a cada dia pior. Decidi traduzir para partilhar com os meus irmãos do Brasil. A cada dia, sinto o quanto me apaixonei pelo Brasil e o quanto recebi no meio de vocês, o quanto é importante para mim continuar a partilha espiritual com os meus irmãos e irmãs do Brasil.
Situação política em Madagascar
Há um ano atrás, houve um intervenção das Forças Armadas para excluir o Presidente eleito porque roubava o país, e utilizou a violência. Instalaram uma “Alta Autoridade de Transição” com o Presidente Andry Rajoelina. Ele não conseguiu em dirigir o país e a divisão aumentou a cada dia. Sobre a pressão da Organização da União dos países da África, também dos Estados Unidos e da França, ocorreu um conferência com os 4 últimos presidentes (todos piores uns com os outros) para tentar chegar a um acordo em Pretoria (África do Sul). Não chegaram num acordo mas todos, inclusive o atual presidente, se comprometeram no fim da conferência, no dia 1° de maio em se encontrar 15 dias depois. Umas horas depois, chegando no aeroporto de Antananarivo (Madagascar), Andry Rajoelina disse que não iria de novo em Pretoria e prometeu um novo Governo “neutro, com a participação de pessoas da sociedade civil e das forças armadas” daqui 48h.
No dia 12 de maio, ainda não conseguiu em formar um governo e fez uma intervenção na televisão. Indicou que iria organizar uma Conferência Nacional para refletir uma nova Constituição e entrar na 4ª República. Lançou a Conferência para os dias 27 e 29 de maio (como organizar em tão pouco tempo?). Afixou a data do referendo constitucional para o 12 de agosto, as eleições legislativas para o 30 de setembro e presidencial para o 26 de novembro. Prometeu (sabendo que sempre muda de opinião e nunca faz o que promete) de não se apresentar para abaixar a pressão no país e aparecer menos preocupado com os interesses pessoais dele.
Na quinta-feira 20 de maio, houve conflito armado no centro da capital entre a Gendarmaria (polícia militar) e outro grupo militar. A razão? Não foi para um golpe de estado, para se substituir ao presidente numa situação de crise, e se preocupar com o bem comum, mas porque o precedente Presidente; Marc Ravalomanana, tinha comprado uma parta dos militares para eles o apoiarem e havia militares que tinham recebido dinheiro, outros que não, ou que tinham recebido menos. Resultado: 4 mortos, umas dez pessoas feridas (difícil saber a realidade) e várias pessoas presas.
O momento da “Conferência Nacional sobre a Constituição” está chegando e ninguém recebeu convite… Na terça-feira 25 de maio, foi apresentado um “governo de abertura militar”… quer dizer com mais militares dentro. É uma situação sem saída pelo momento, sem pessoa capaz e honesta que parece poder ajudar.
Pelo momento, não sinto nada em Fianarantsoa desta situação, senão que a situação econômica está piorando a cada dia.
Segunda-feira 17 de maio
Às 6h da manhã, como a cada semana, celebrei a missa na catedral e fiz a homilia que preparei e que foi corrigida pela professora de malagasy. Estou progredindo na capacidade em ler e, com um trabalho importante de preparação, começo em saber o que significa as palavras que estou lendo. Consigo em redigir textos, com muitas correções depois pela professora. O pior, é que progredi muito na leitura e há pessoas que não acreditam que sei ler, mas não sei falar nem compreendo.
Às 8h, fui com o Pe Gervais, vigário geral para uma paróquia rural. Pe Gervais é muito simpático. É o meu “Pe Juarez malagasy que me acolhe”. É ele que é responsável do Prado de Madagascar e com quem colaboro direitamente. Só que, não é muito organizado, e tinha aceitado de celebrar 6 missas na roça, uma a cada noite durante uma semana, para desenvolver o dízimo, enquanto tinha, no mesmo tempo, a partir da quarta-feira e até a quinta-feira, o Conselho Episcopal. Ele me pediu para ajudá-lo e vir com ele, cada um celebrando em comunidades diferentes. Até o último momento, esperava achar um terceiro para assim conseguir a celebrar 6 missas em dois dias, mas não conseguiu.
Iniciamos o caminho com uma estrada asfaltada com muitos buracos. Durante os 6 primeiros quilômetros, havia lixo colocado pelos serviços da prefeitura dos dois lados da estrada, e até invadindo uma parte da estrada. Depois, a situação mudou, não havia mais asfalta, senão vestígios que tornavam a pista pior. Impossível superar os 30 quilômetros por hora. Após 36 quilômetros, chegamos na matriz da paróquia rural, e um catequista nos deu o programa. Descobri que terei não só de celebrar sozinho a missa, mas também de celebrar 4 casamentos e 7 batismos na primeira missa. Tive tempo de procurar o ritual e pedir ao Pe Gervais a que correspondia cada paragrafa. Porque ainda não compreendo o que estou lendo sem dicionário e bastante tempo para preparar.
Iniciamos uma pista impossível a tomar sem 4 x 4. Paisagem grandiosa. Subimos muito e chegamos num lugar com floresta queimada. Pe Gervais comentou: a Igreja católica conscientizou para reflorestar aqui 25 anos atrás e as seitas destroem tudo o que a Igreja católica está fazendo.
Chegamos num altiplano (1 200 m) e Pe Gervais me pediu de sair do carro e acompanhar a pé um catequista que esperava num trevo para nós irmos celebrar numa comunidade enquanto Pe Gervais iria celebrar numa outra. Entendi em breve porque não me acompanhou com o carro: a ponte estava totalmente quebrada e foi difícil atravessar mesmo a pé. Depois, a pista não era mais praticável de carro. Andamos uma hora. Não havia mais ninguém comigo que falasse francês. Tinha preparado a leitura do Evangelho e uma homilia. A missa começou com 400 ou 500 pessoas presentes, com muitas crianças, muito respeitosas e participantes. Enquanto a missa já tinha começado, o catequista que me orientava, me avisou que trocaram o Evangelho em relação ao dízimo. Tive de ler sem preparação e deixei o catequista fazer a homilia. Aproveitei deste momento para olhar o ritual de batismo e casamento. Não tive as mesmas dificuldades do que no primeiro casamento que celebrei em Dores, o de Edileuza e Cristiano, e consegui em dizer os nomes dos noivos e das crianças porque os nomes das pessoas em Madagascar estão parecidos aos da França. A missa demorou 2h30 o que é muito pouco aqui… Depois notaram nas cartas do dízimo (o dízimo se dá uma vez por ano aqui), o que cada um partilhou tanto em dinheiro como em arroz. O dízimo não se faz no segredo. Às 15h30, almoçamos.
Às 16h30, saímos com o catequista para o patrimônio onde o Pe Gervais devia nos esperar e aonde devíamos dormir. Depois de uma hora a pé, chegamos na aldeia do catequista que não tinha compreendido que eu devia andar ainda 7 quilômetros até Mahazoarivo, ex capital do Rei dos Betsileo, povo deste lugar. A noite já estava chegando e quis continuar mas o catequista não aceitou de me deixar ir sozinho, nem de me acompanhar. Houve uma pessoa matada na semana precedente porque, por causa da miséria, há ladrões. Não estou certo que havia um risco forte, mas a partir daí, eles têm medo uns dos outros.
O catequista pediu à única pessoa que tinha um carro de me acompanhar. Ia entrar no carro, mas o motorista pediu-me esperar um pouco dizendo: “há um pequeno problema”. De fato, o carro não podia ligar e era preciso empurrar. A descida ajudou e andamos 200 metros. O motor desligou. E assim 3 vezes até chegar ao pé da descida. Ai, ele disse: “há um pequeno problema…” Na realidade o carro estava totalmente fora do ar, sem mais nada dentro da cabina. Ele aspirou o combustível na boca, cuspiu no injetor (se não me enganar porque não sou especialista) e o motor ligou. Conseguimos a andar 2 quilômetros até nos encontrar na pista com Pe Gervais, preocupado em não me ver chegar.
Em Mahazoarivo, nos instalamos numa casa com um andar, tal como todas as casas aqui, que serve para o padre, o “visitante” (explicarei depois), e para os encontros dos responsáveis da comunidade. Não havia luz, nem água, mas havia banheiro precário mas limpo: um caixa de madeira furada acima de um buraco. Só que, havia tantos mosquitos que não se podia ficar aí para não correr o risco de contatar o Paludismo ou o Chikungunya (outra doença trazida pelos perna longas). A cozinha: 3 pedras no chão num casinha sem outra abertura do que a porta, e, aqui, é luxo. Porque, em outras casas, são 3 pedras fora da casa sem abrigo.
Uma pessoa tinha preparado o jantar que partilhamos com um catequista e Antônio, o visitante. Pe Gervais pensava em não ir ao Conselho Episcopal, mas lhe propus de me deixar celebrar as missas e ficar até à quinta-feira sozinho. O jantar foi um momento forte de partilha. Às vezes, Gervais traduzia, ou explicava o que ele ia conversar com os responsáveis desta Igreja. Falaram de uma ação que a Igreja católica ia propor para lutar contra este sentimento de insegurança… Me fez pensar na Campanha da Fraternidade de 2009 no Brasil. Ele explicou aos responsáveis o que era o Prado, quem era eu, e tivemos momentos fortes de oração juntos. Avisei Pe Gervais que os noivos, de manhã, pediram para se confessar e que não pude. Ele me pediu de confessar no dia seguinte e me preparou um papel com o que dizer para a pessoa iniciar a confissão, o que dizer depois ela ter dito os pecados (Deus alegra-se em te ver converter-te! Converta-te e ande!). Ele pensou que, senão, as pessoas não iam entender.
O visitante dormiu no chão. Dormi numa cama muito ruim, sem lençóis, sobre a palha. Dormi com o roupa de dia e fechando os elásticos que impedem os mosquitos eventuais entrar pelas aberturas dos braços ou das pernas. Coloquei produto sobre a pela para afastar os mosquitos.
Terça-feira 18 de maio
Dormi muito bem, mas, quando acordei, tinha lesões numa perna. Como entender? Nenhum lugar onde se limpar. Barbeei na “rua”. Andamos 1h30 para atingir uma comunidade sem acesso pelos carros.
A vereda era muito estreita. Havia lugares onde passava no meio de ervas que se chama “danga”. No dicionário, se lê: “Erva com o grão que tem a forma de um anzol”. O grão se encontra acima da erve e entra nas meias em grande quantidades e tem um sistema para não recuar. Mais você tenta de o extrair, mais ele penetra e entra na pela. Não fere muito, mas não ajuda para andar. Parei uma vez, duas vezes, dez vezes… Os que me acompanhavam e andavam sem sapatos não pareciam incomodados. Quase não parei mais e tentei guardar os pés bem no chão porque limitava o problema. A erva ao lado da vereda impedia de ver os obstáculos (pedra, buraco, lama). Cruzamos muitas famílias e pessoas indo para a feira com as crianças nas costelas, os produtos que iam vender sobre a cabeça, crianças sobrecarregados com o irmão deles ou os produtos. Em outros lugares, a vereda era muito inclinada para chegar numa ribeira ou sair da ribeira que atravessamos com pontes muito ruins ou andando de pedra em pedra. Quando atravessamos os arrozais, andávamos acima do muro de terra que separava o arrozal na altura do muro dum lado, do arrozal que se encontrava do outro lado, 2 ou 3 metros abaixo. Em muitos lugares, o muro era mais estreito do que a largura do pé, e, como houve chuvinha, em vários momentos, deslisava bastante. Se tornava exercício de funâmbulo. Em outros lugares, passávamos em colos ou acima de montanhas, no meio de pedras fazendo pensar nas veredas para ir ao Pico da Bandeira. Andamos entre 1 100 metros de altitude e 1 650 m. Num momento, fizemos um contorno para não atravessar o rio que não era muito profundo. Gostei, porque limita o risco de contratar a bilharziose, doença que se pode acontecer quando você anda na água.
Num lugar, uma ponte importante, longa e alta em cima da água, em cimento, era destruída. Substituíram com 3 árvores sem tábuas. Não tive dificuldades em atravessar mesmo com a chuva que complicou a situação, mas pensei nas pessoas gravidas ou com crianças.
E a paisagem? Quase não vi… porque não podia deixar de olhar onde por os pés e Antônio andava com velocidade… Gostei de ter uma boa forma física, e, para os de vocês que se preocupam com a minha saúde, se não tiver problemas de doença, o que é o caso pelo momento, terei uma forma física olímpica!
Dizer que não vi a paisagem é maneira de falar, porque pedi várias vezes de parar, seja para retirar um espinho de “danga”, seja para tirar fotografias. Não era possível não se deixar tocar pela beleza dos lugares atravessados. Já fiquei privilegiado em Dores e Guaçuí, e está continuando aqui. Fiquei impressionado pela diversidade dos “verdes”: o verde dos arrozais em terraços, das pastas, dos lugares com árvores, as pedras parecidas ao que se encontra no Espírito Santo, as casas altas e belas na cor da terra um pouco vermelha, com telhados de colmo. Fiquei impressionado pela técnica desses homens para trabalhar a terra, organizar os arrozais em terraços. Me fazia pensar nas plantações de café de Dores e no seu trabalho.
Encontramos também muitos túmulos espalhados nas pastas, casas de pedra de 3 metros de altura, 5 metros de largura por 5 metros de cumprimento, mais fortes do que as casas dos vivos. Havia também muitas colunas de granito que podiam ter até 6 metros de altura para lembrar de pessoas mortas fora daqui. Em Madagascar, há um culto dos mortos importante, até “virar os mortos quando é momento para isso”. Eles tiram o morto do túmulo, fazem cair os lombos de carne que ficam… e colocam dentro de um novo lençol, fazendo orações e festa, gastando uma boa parte do pouco que têm.
Fiquei impressionado de andar num mundo que parece de uma outra época e que, no mesmo tempo, está no século XXI, com pessoas muito simpáticas, com quem me senti muito próximo, tendo preocupações similares, podendo partilhar quase facilmente, a não ser o problema da língua.
Impossível de não sentir ressoar em mim um cântico francês que Pe Gervais entoa a cada vez que vamos celebrar missas na roça: “Meo Deus, tu es grande, tu es belo, Deus vivo, Deus presente, em toda criação”. Ao mesmo tempo, outro cântico francês ressoava em mim, cântico da Paixão que diz: “Os soldados ligaram as tuas mãos, quem de nós te defendeu? Sobre a terra, corre ainda teu sangue, quem de nós te reconhece? O, Senhor, perdoe ao teu povo (bis), O, Senhor, perdoe os nossos pecados.”
Porque, como entender que na hora onde alguns têm tudo, outros não têm nada, sem outro acesso às aldeias do que essas veredas belíssimas, com certeza, mas impraticáveis e sem apoio sanitário. Encontrei crianças que pareciam ter 4 ou 5 anos, trabalhando nos campos (sei que isso existe também no Brasil). Quantos estão carregando cargos que não correspondem às capacidades delas. Quantos problemas de saúde que não são tratados? Quantas vezes, perguntei a uma criança que tinha o tamanho de uma criança de 4 anos, a idade dela, e tinha 8 ou 9 anos. Pelo contrário, quantas vezes perguntei à pessoas que me pareciam idosas a idade delas, e eram mais jovens do que mim. A esperança de vida aqui é de 50 anos. A mortalidade das mães no parto é 100 vezes a que se encontra na França.
Retomou a narração dia a dia, mas concentrei aqui parte do que me tocou nessas horas andando a pé durante estas quatro dias.
Nesta terça-feira, após uma hora e meia andando com pressa, chegamos numa aldeia mais pequenina do que na véspera. A Igreja é menor. São dois casamentos para celebrar. Comecei confessando, ao pedido de Pe Gervais. Fiquei muito tocado pela fé das pessoas que se apresentaram. Não entendi nada, mas elas não realizaram e viveram o sacramento com muita fé. Depois da missa, tal como na véspera, contaram o dízimo em dinheiro e arroz. Participamos do almoço do casamento.
Depois, regressei com o visitante para Mahazoarivo, a aldeia principal, ex capital do Rei dos Betsileo. Antes de chegar, encontramos 4 homens jovens bêbados, andando na vereda muito inclinada e com rocha… Pe Gervais que celebrou em Mahazoarivo, não era mais presente porque foi para o conselho episcopal em Fianarantsoa.
Antônio, o visitante
Agora, como foi o caso durante o dia precedente na missa, e todo ao longo do dia, me encontro sem ninguém que fala francês (ainda menos brasileiro!), na companhia de Antônio, o “visitante” (visiteur em francês, não sei como traduzir). Quem é Antônio? O que é um “visitante”? Estou só descobrindo a organização da Igreja malagasy, mas entendi, no diálogo em língua “malagasy”, ou para retomar a palavra de Elielton na missa de despedida, numa língua que não é realmente a língua malagasy, que Antônio tinha 46 anos, enquanto pensava ele ter 65 e mais, mesmo que andava bem, que tinha 10 filhos e foi se formar primeiro como catequista. Para isso, ele deixou a sua terra e foi como esposa e filhos morar durante um ano e meia na “aldeia dos catequistas” onde um padre jesuíta italiano cuidava da formação dos catequistas (animadores das comunidades, ao mesmo tempo ministro da Palavra e catequistas).
Agora, se tornou “visitante”, aquele que anda a pé e visita 7 comunidades inacessíveis na montanha a cada mês para apoiar os catequistas, animar a celebração e fortalecer a comunidade. Assim, se encontre fora da casa 7 dias por semana. A cada 3 meses, ele faz a visita a pé com o pároco. Enquanto está se formando ou visitando, são os irmãos dele que cuidam do arrozal e das culturas. É benévolo. Durante 3 dias (não era ele comigo no primeiro dia), andamos juntos 9 horas, passamos tempo esperando que as pessoas cheguem à missa, partilhamos a oração, as refeições, as noites. Dependi dele em tudo e fiquei maravilhado em vê-lo pregar. Pensei em vocês, coordenadores de comunidades, ministros da Eucaristia e da palavra, catequistas, que me impressionaram em Guaçuí e Dores, membros dos Círculos Bíblicos.
Mesmo que a comunicação verbal foi limitada, ainda que foi bem maior do que esperava…, é a figura que mais me tocou, nestas 4 dias. Gostei de ouvi-lo partilhar a paixão que tem para a missão, como ele lê o Evangelho a cada dia, a preocupação dele de me ajudar em progredir na língua malagasy e progredi muito nestas 4 dias sem poder falar francês. Gostei da qualidade do contato dele com as comunidades, dos olhos que brilhavam quando falava da sua família. Passamos longos momentos em silêncio, porque não falava com muita facilidade. Fiz atenção em interromper de vez em quando com algumas palavras para que o silêncio ficasse um silêncio de comunhão e não se tornasse pesado. Durante alguns quilômetros, na quarta-feira, ele me ensinou o terço em malagasy. Ficava silencioso, porque ainda não consigo em rezar ao mesmo tempo que um malagasy, e quando alguém fala, mesmo que presta atenção em mim, perco a capacidade. Só lembrava da palavra quando ficava calado.
Na quarta-feira da manhã, eu lhe disse: “encontrei Cristo!” “Aonde?” “Em ti”. E, realmente, era o que sentia. À tarde, enquanto éramos parados, fitei os olhos nele e disse: “Não encontrei Cristo em ti… encontrei Paulo!”, porque, andando na montanha de comunidade em comunidade para fortalecer os irmãos, me fez pensar nos Atos dos Apóstolos que lemos juntos e nas paisagens que tive a sorte de atravessar de bicicleta na Turquia. Continuei dizendo: “Mas Paulo dizia que não era mais ele que vivia, mas Cristo nele”. Num outro momento, rimos porque lhe disse que era Aarão, sendo a minha boca para as homilias, tal como Aarão falando por Moisés. Falamos além do que imaginava e consegui lhe partilhar um pouco da minha história.
Quarta-feira 19 de maio
Na quarta-feira da manhã, o segundo despertar em Mahazoarivo foi um pouco brusco: movei na “cama” e isso moveu os paus mais ou menos cilíndricos, de tamanho desigual, não afixados, distantes uns dos outros de 15 até 20 centímetros, torcidos, colocados acima de uma quadra de madeira. Resultado: tudo caiu e me encontrei no chão no meio dos paus e da palha. Nesta vez, enquanto parecia que não havia perna-longa e que me protegei o melhor do que possível, a segunda perna estava bem ferida e tinha forte comichão. Comecei em pensar e esperar que fossem pulgas… Esperar, porque isso dá para não recear doenças tais como paludismo ou Chikungunya.
Nesta manhã, tive dificuldades em comer o café da manhã[1]. Sempre o mesmo prato de arroz sem sal, sem sabor, oferecido com água que ficava dentro. A omelete que gosto muito de costumo, no Brasil ou na França, estava com blocos de sal não misturados. Se alternava bocados sem sal e outros onde você morde no sal puro. Me esforcei em comer, porque sabia que o dia ia ser longo com quilômetros a pé.
Às 8h, saímos para uma comunidade. Era o dia da feira em Mahazoarivo e encontramos muita gente. A maioria era em farrapos. Muitas vezes, isso se escondia com uma grande cobertura leva, com cores vivas, na qual enrolam-se tanto os homens como as mulheres e na qual eles dormem a noite. Duas horas depois, chegamos na comunidade mais pobre. O professor mostrou a sala das aulas sem nenhum material, nem mesa, nem cadeiras, nem nada. A Igreja estava destruída e foi missa campal, com momentos com chuva. Devia celebrar um casamento. A festa era pronta, mas o prefeito não tinha assinado o processo e não pude. Celebrei batismos.
Às 15h, continuamos para outra aldeia. Andamos duas horas e meia, atravessando paisagens ainda mais salvagens e montanhosas. O professor que nos viu chegar tocou o sino para que os responsáveis da comunidade venham nos acolher. De novo uma casa em tijolos fabricados com a terra dos arrozais, com um andar accessível com uma escada sem nenhuma proteção, com a fumaça que entra na sala e irrita os olhos e a garganta porque não havia chaminé. Aí, não tinha banheiro nenhum. Consegui em limpar os pés, mas foi tudo o que consegui em lavar depois de 3 dias andando a pé. A chuva não facilitava para ir ao “banheiro” fora. Não consigo a entender porque, enquanto a casa está bem construída, que não é problema de falta de dinheiro, nem de capacidade, eles não colocam chaminé nem banheiro, mesmo só com água trazida com balde.
Depois de discursos de acolhimento, crianças que nos acompanharam nos últimos 500 metros quando chegamos na aldeia, subiram na sala. Me sentei no chão com eles e tentei conversar, mas foi bem limitado. Pedi ao catequista as fazer cantar um cântico e tive o reflexo de gravar. Nunca deixo um pequenino gravador que me ajuda em progredir na língua e no sotaque. Depois, fiz eles ouvir a gravação e eles gostaram. Como tinha um livro de cânticos, lhes pedi de gravar cânticos do livro para que eu possa apreender a língua. Cantamos assim mais de uma hora, momento simples e bom de partilha.
Chegou o momento do jantar e o mesmo arroz insípido pareceu suculento após 25 quilômetros a pé no dia. O professor falou da sua doença alcoólica e como foi ajudado em parar. Falei da Pastoral da Sobriedade e do que vivemos em Dores.
Éramos 4 dormindo na pequenina sala. A cama era tão ruim que os homens a tiraram e consegui que seja o “visitante” que durma sobre a palha, para não ter um privilégio. Nesta noite, tive dificuldades em achar o sono.
A primeira razão, era que tive duas noites de 9 h e que o ritmo de tais jornadas não é cansativo. Andamos, o que descansa nervosamente, passamos tempos esperando as pessoas chegar.
A segunda razão, a principal, era que esta experiência de imersão radical no interior de Madagascar, no momento em que eu busco como me integrar o melhor tanto na diocese como na animação do Prado, me fez pensar muito. Deixo o tempo confirmar e amadurecer o que refleti e partilho só alguns aspetos aqui.
Primeiro, mesmo se estou pronto para qualquer missão que o bispo me confiará, estou ainda mais convencido que seria uma grande sorte se ele me nomear numa paróquia rural, com a impossibilidade de falar francês e a obrigação de falar o malagasy, o que ajuda muito para progredir, e com a possibilidade de descobrir do interior o que é a vida da maioria das pessoas de Madagascar, dos seminaristas que provêm da roça e voltam depois para paróquias rurais, para a maioria.
Estou sempre refletindo também sobre esta miséria. Como me situar com a formação medical e humana que tenho num país com uma tal carência sanitária? As ajudas humanitárias diversas, belas e necessárias, não darão resultados evidentes, e, às vezes, pioraram a situação porque as pessoas esperaram tudo e não se responsabilizaram. A perspetiva de acompanhar a formação dos padres na associação do Prado é também um razão para buscar um ministério o mais parecido do que possível com o ministério habitual dos padres malagasy.
À luz do « Quadro de Saint Fons », o ideal da vida sacerdotal que o Padre Chevrier, fundador do Prado, após de ter contemplado o abaixamento de Nosso Senhor Jesus Cristo, pintou na parede de uma casa na cidade de Saint Fons, perto de Lyon, meditando neste momento onde nem sei falar e nem posso fazer nada, ou quase, senão me tornar presente, amar e me deixar amar, onde tenho de renunciar em “fazer algo”, vejo que o « Quadro de Saint Fons » se torna um caminho fecundo.
Portanto, tenho de buscar outro caminho do que ficar testemunha “passivo”, que vive com as pessoas sem buscar com eles um caminho de melhoramento da vida. Vi os frutos do trabalho do Pe Daniel, jesuíta italiano, que fundou e anima ainda a escola de catequistas rurais. Sei que é preciso que eu deixe tempo ao tempo para achar, me deixar guiar, mas sei também que, se eu não ficar em alerta forte no início, buscando, discernindo, não estarei capaz de me deixar guiar depois e sei que os primeiros passos condicionam tudo o caminho depois. Não me esqueço do quanto as primeiras visitas e o diálogo com o Pe Juarez orientaram tudo o trabalho que fiz depois e que, espero, deu alguns frutos. Foi esta preocupação permanente de abrir caminho mesmo numa terra que não conhecia que nos deu de viver experiências que me tocaram em Dores.
Neste tempo de insônia, nas horas andando em silêncio, nas celebrações que demoram muito e onde posso pensar durante os cânticos, a longa homilia, foi oportunidade de releitura silenciosa e maravilhada (também com as perguntas) desses 3 dias, assim como desses dois primeiros meses em Madagascar.
Me fez pensar também em toda a minha história e como cheguei aqui. Com certeza, pensei muito nos 4 anos no meio de vocês que me tocaram mais ainda do que pensava. Pensei na comunidade sacerdotal que formamos em Guaçuí, na colaboração com as irmãs e na sorte que tenho em poder continuar a viver a comunhão forte com Pe Wagner, Irmã Maria do Socorro e todos vocês. Também, é todo o meu olhar sobre o mundo que está questionado numa tal experiência.
Há três semanas, preparei uma “revisão de vida” e escrevi uma carta que partilhei com algumas pessoas. Como falei da realidade aqui de maneira concreta, sem esconder a miséria, alguns amigos me escreveram que estavam preocupados com a minha vida, por causa da situação da saúde aqui assim como com a situação política.
Fico surpreendido em não sentir esta ansiedade e, pelo contrário, em sentir uma grande paz assim como uma grande alegria em estar aqui, mesmo se vocês podem perceber que fico vigilante com a saúde e prudente. Sei também que, se acontecer qualquer coisa ao nível da saúde, posso sair do país e ir me tratar na Ilha da Réunion (ilha próxima que pertença há França) ou mesmo na França. Quando chega um momento mais desagradável, tal como a falta de conforto, é ocasião me lembrar o porque cheguei aqui, com quem estou vivendo e se torna fonte de alegria.
Alguém ficava preocupado com o que escrevi sobre a situação política, mas isso corresponde ao que se encontra na Gazeta local e ao que toda a gente fala. Não estou correndo risco quando escrevo isso, ainda menos porque o país está totalmente parado, desorganizado. Vocês podem verificar isso consultando o sitio oficial da presidência da República malagasy. Não está mais atualizado desde de fevereiro (http://www.madagascar-presidency.gov.mg).
O que me assusta, é como se faz que as pessoas aqui, vivendo verdadeiras preocupações, têm uma alegria e força tão forte para viver, acolher? Como é, pelo contrário, que, na França onde temos “tudo”, sabendo que lá também há pessoas que não têm nada e sofrem, perdemos a alegria de viver e que tantas pessoas vivem com sentimento de solidão (cf. Jornal La Croix do dia 21/5/2010), que haja tantos suicídios? Invertendo a perspetiva, como é que temos tão medo quando ouvimos falar da situação de países tais como Madagascar e que não temos mais “medo”, no sentido de se mobilizar para transformar a situação, em frente dos perigos dos países ricos e que começam a ganhar o Brasil, perigos invisíveis e, por isso, piores tais como a perca do sentido da vida, da dignidade de cada ser humano, da fé e que caímos no consumerismo, inclusive numa religiosidade desorientada como se vê nas seitas?
A terceira razão que fez que não achava o sono, fora da dureza do chão de terra, foi que, como não adormeci logo, tive a oportunidade de seguir a progressão dos ataques dos visitantes da noite que identifiquei com certeza quando o companheiro exclamou-se: “Está infestado com pulgas!”
São muitos os trechos do livro do Padre Chevrier “O Verdadeiro Discípulo” que ressoam em mim de maneira renovada. Durante anos gostei de ler as reflexões dele sobre “escolher a pobreza”, “viver com os mais pobres”, “escolher de dormir sobre a palha como os pobres, com eles, a seguida de Cristo que escolheu nascer sobre a palha e morrer sobre a cruz”. Gostava dessas palavras e das palavras da oração de Antônio Chevrier: “Ô Pobreza como és bela!” (se fala da pobreza evangélica escolhida por amor a Cristo e aos mais pobres e não da miséria que destroi e que se deve combater). Achava isso bonito, mas tinha a sensação de utilizar palavras que não vivia. Quando falava da palha, era muito simbólico. Hoje, me é dado de poder sentir a alegria de viver com os mais pobres, entender melhor o que as pessoas sem domicílio sentem na França, sem poder se lavar, com as pulgas. Só posso “pensar em” de maneira fugitiva, porque são uns dias e depois voltou para o arcebispado onde estou bem instalado, mesmo que seja muito simples.
Neste país tão pobre e no momento onde nunca me encontrei numa situação tão simples, é agora que me sinto o mais rico, porque comprei sapatos bons (e caros) para andar. Utilizo duas camisas caras para me proteger contra o risco dos mosquitos. Tenho um “smart fone” que faz gravador, máquina para fotografar, modem para ter internet. Pago 150 000 Ariary para ter acesso internet enquanto o salário mínimo (para os que têm) é de 60 000 Ariary (R$ 50,00) por mês. Isso não cheira a pobreza…
Guardo no meu coração como pergunta para depois, esta experiência da diferença de contato que produz o fato de chegar dirigindo um grande 4 x 4, ou de chegar a pé, dormindo sobre a palha com a gente. Os meios são necessários mas se tornam em breve obstáculos à relação verdadeira, evangelização e promoção humana.
Quando acordei, tinham dormindo 3 horas, pensei no pensamento que o Padre Chevrier escreveu na parede de Saint Fons: “O padre é um homem dado em alimento” e, “É preciso se tornar bom pão”. Ri, pensando que, se não conseguir em me tornar bom pão para as pessoas, pelo menos, teria conseguido em me tornar bom pão para as pulgas. Gostaram muito de mim! Todo o corpo estava atingido.
Quinta-feira 20 de maio
Nesta quinta-feira, das 11h às 15h, mesmo ritual do que nos precedentes dias com a missa, o dízimo, o almoço. Às 15h descemos da montanha a pé para Isorana com a chuva. Jean-Louis, um dos professores da escola primária desta aldeia nos acompanhou.
Em Isorona, metade da população estava vestida com roupa branca, porque pertenciam numa seita. Partilhei com Jean Louis que passa a semana sozinho na montanha, dando aulas e voltando a pé no fim da semana para se encontrar com sua esposa. Fiquei na admiração em ver todos esses professores que ensinam sem nada e com muito amor.
Em Isorana, me encontrei com Pe Jean-Pierre, o pároco que imediatamente perguntou sobre como vivi as condições de vida acima (banheiro, comida, pulgas), porque ele encontra as mesmas dificuldades mesmo que seja originário daqui. O fato que, depois de dois meses, sem falar malagasi, aceitei ir acima nos tornou muito próximos. Ele contou o seu itinerário, o seu ministério. Fiquei surpreendido de me sentir tão próximo dele inclusive na releitura da situação na montanha tanto nas coisas que não entendia como das coisas que me maravilharam.
Ele falou da dificuldade de substituir aos padres religiosos vazaha (europeus) que assistiram a população com muito amor e dedicação, mas que traziam tudo o que vinha da Europa, o que tornava a sucessão dos padres malagasy bem difícil.
Voltava também na partilha com Pe Jean-Pierre esta pergunta que encontrei várias vezes: “Como é que, depois de anos de luta para o desenvolvimento com a Igreja, as O.N.G., depois que os religiosos formaram quase toda a elite da Ilha nos colégios deles, o país está afundando a cada dia mais? Como me situar de maneira fecunda e justa?
Uma única certeza para mim, à luz do caminho na fundação dos “Cuidados Paliativos” (tratamento eficaz da dor e acompanhamento psicológico das pessoas moribundas): quando se parece que não se pode fazer nada, se pode ficar presente, não fugir, amar e se deixar amar, receber, deixar a minha cultura ser questionada à luz das riquezas e pobrezas da cultura do outro. Estou nesta perspetiva neste momento. O primeiro sentido da nossa presença de “padre vazaha”, é em se tornar presente, não abandonar uma presença num continente sinistrado que exploramos, mas não só, e a história da colonização não explica em tudo a situação atual da África. Isso foi dito com muita força pelos bispos da África reunidos recentemente com o Papa Benoit XVI num Sínodo parecido ao encontro que aconteceu pela América Latina em Aparecida. Eles disseram que não se podia explicar tudo o afundamento da África com a colonização e que se devia questionar também outros fatores, tais como as animosidades entre etnias inclusive entre padres originários de grupos diferentes, a ausência de sentido do bem público, a corrupção.
Demorar aqui, pois, sem esperar fazer algo… Mas, quando comecei a me interessar na dor dos moribundos que não podíamos mais curar, fiz a experiência da importância do fato de demorar ao lado deles, mas também me comprometi com outras pessoas em achar tratamentos eficazes da dor, porque é insuportável ficar sem fazer nada ao lado daquele que sofre.
Dormi na casa de irmãs carmelitas apostólicas sem poder me lavar… não havia água nem energia.
Evoquei a figura dos catequistas, dos “visitantes”, dos leigos que percorrem quilômetros a pé para vir rezar, dos professores da montanha, e penso em todos vocês das comunidades de base que encontrei em Guaçuí e Dores. A cada dia, sinto mais forte a beleza evangélica também da figura das religiosas e dos padres que estou encontrando aqui.
Sexta-feira 21 de maio
Aproveitei da viagem das irmãs para a feira semanal em Fianarantsoa para voltar ao arcebispado. O caminho estava pior do que na segunda-feira por causa da chuva. Quando cheguei, fui acolhido com ainda mais carinho por causa do que Pe Gervais tinha contado das missas que aceitei celebrar com casamentos, batismos, na montanha. Cada um se torna ainda mais empenhado em me ajudar a dizer algumas palavras em malagasy.
Me avisaram da violência que houve entre várias entidade militares com os 4 mortos. Madagascar que era o país mais rico da África no ano 1960, no momento da descolonização, tornou-se um dos três ou quatro mais pobres.
Nos mesmos dias, fui convidado pelo responsável do Apostolado dos Leigos que está fundando de novo um serviço que não existia mais, para partilhar sobre o que se faz no Brasil com a Pastoral da Criança e com a Pastoral da Sobriedade. Decidiram marcar outro encontro para domingo 6 de junho. Estão refletindo para trabalhar nesta direção e me alegro em ver que o Pe Emílio está fundando no Moçambique (cf. Estamos Juntos n° 24 – Maio 2010).
Não sei aonde irá este caminho, mas gostaria de poder contar com a paróquia de Dores para me enviar pelos correios os documentos principais das duas pastorais. Não passarei em frente para fundar, mas dou a conhecer, e, se isso interessar pessoas aqui, apoiarei. Fico admirativo com esta riqueza da Igreja no Brasil.
Festa de Pentecostes
Nas últimas semanas, brincava sobre a proximidade da festa de Pentecostes, e a minha esperança de poder falar a minha língua nesta dia e ser compreendido em malagasy. Acrescentava que os Atos dos Apóstolos não diziam que Pedro e os companheiros tinham compreendido o que diziam as pessoas de outros países, porque, sentia que, se começava em conseguir a dizer algumas frases simples, ainda não entendia nada do que se dizia a minha volta.
É algo do mistério da Pentecostes que tive de viver nestes dias: poder comunicar além da barreira da língua e da cultura, dos preconceitos entre malagasy e “vazaha”, poder perceber a força do Espírito Santo no coração desses homens e mulheres, tal como no coração de Antônio, o “visitante” por exemplo, poder também ter uma consciência renovada de tudo o que recebi na minha vida (a começar nos 4 anos no Brasil), do privilégio e da grandeza do ministério de padre que a Igreja nos convida em redescobrir neste ano sacerdotal e que nos é dado de viver com todas as nossas fraquezas. Daqui uns dias (17 de junho), terei tudo isso no coração enquanto celebrarei 20 anos de padre.
É com certeza algo do mistério de Pentecostes que vive a Igreja de Madagascar: ter de anunciar o Evangelho sem outra força do que a do Espírito Santo no meio de uma situação de fragilidade radical.
Recebi ontem a notícia da transferência de Dom Célio. Penso muito nele e na diocese neste momento e rezo muito com todos vocês. A diocese perde um bispo que se mostrou tão simples, tão fraterno, tão próximo de todos e, com um dom especial para encontrar as crianças e os doentes. Tenho algumas fotos dele visitando pessoas doentes muito significativas. Agradeço pela confiança dele em me ter acolhido na diocese de Cachoeiro de Itapemirim. A mudança sempre é despojamento, mas sempre é enriquecimento.
Mifampivavaha isika…
Rezamos uns pelos outros!
Abraço fraterno.
Bruno
[1] Nota para o Pe Juarez : « Pequeno almoço »